segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Força Extraordinária Brasileira

 Força Extraordinária Brasileira,

uma história de Milagres vivos na segunda guerra mundial.



Ler e escrever eu aprendi cedo, na base da vara e do carinho de minha falecida tia Dalva, ela tinha os olhos de uma santa e as mãos pesadas como pedra, mas a gramática e a tabuada eu jamais esquecerei. E é justamente por isso, porque sei escrever e ler é que coloco aqui essas palavras. Espero que alguém as leia num futuro não muito distante.


Já fazia mais de quatro meses que havíamos chegado à Itália. O que mais me contrariava de estar ali era o gelo, a neve. Eu nasci no Goiás, não fui criado para suportar esse frio todo não. Os primeiros dias lá, apesar de tudo ser totalmente diferente do que eu conhecia, eram de uma sensação de férias estranhas. Estávamos em um país estrangeiro, com um povo diferente do nosso, paisagem estonteante e paramentados para enfrentarmos um inimigo que tinha experiência na guerra. Antes dessa, qual foi a última guerra que o Brasil participou? Eu nem sei. O brasileiro não gosta de matar ninguém não. O brasileiro gosta de samba, gosta de viola, gosta de música, isso sim o brasileiro gosta. E mesmo naquele lugar carregado pelo medo e tiros de metralhadora, nós trazíamos conosco a musicalidade de nossa terra. Eu gostava muito era de tocar viola e cantar sobre passarinho, contudo ali, eu estava preparado para tocar fuzil e morteiros de 60mm. Quando eu falo “preparado”, significa que eu estava lá, em meu grupamento, vestido a caráter e de fuzil na mão. Mas não tenho vergonha nenhuma em dizer que meu coração encontrava-se em solo goiano, junto de minha mãe, meu pai, meus irmãos mais novos e Lucinha, a quem sempre guardei um carinho enorme, e que Deus permitirá que eu volte pra casa e possa casar com ela.


Depois daqueles dias iniciais a coisa que já não era boa descarrilou de vez. Estávamos sob o comando do capitão Ayrosa chegamos a Pisa e de lá rumamos imediatamente para uma pequena cidade chamada Massarossa, que estava sob controle alemão. Ali vi a guerra em sua plenitude. Trazer aquelas imagens me torna pesaroso e de pensamento embargado. Atirar e matar quem a gente não vê e quem a gente nunca odiou não é algo que me veio fácil. E observe que estávamos sob a chuva de morteiros inimigos e uma quantidade enorme de granadas. As explosões nos deixavam tontos, fazia com que perdêssemos o equilíbrio enquanto avançávamos pelas ruelas estreitas e de pedra daquela cidadota. Foi ali mesmo, naquele dia de batalha, que vi pela primeira vez um Milagre. Claro que havia histórias sobre eles. Claro que conhecíamos até alguns nomes, trocados como segredos de crianças, mas nada te prepara para o espetáculo único que é ver um Milagre em ação!


Precisávamos pegar o controle de uma rua que estava bloqueada pro destroços e uma forte barricada. Havia uma metralhadora que cuspia forte em nossa direção, mas mesmo assim avançávamos sistematicamente, pouco a pouco. Eu, Vicente e Toledo ficamos entocados entre uma meia parede e uma área aberta. Atiramos em direção daquela arma, que mais tarde todos nós chamaríamos de lurdinha, tentávamos acertar algo. Eu mesmo era bom de tiro, cacei desde a mais tenra idade junto com o senhor Pedro, meu pai, mas caçar um caititu numa grota é totalmente diferente de atirar em um outro ser humano. Os tiros da metralhadora vinham em nossa direção, às vezes a gente apenas colocava a arma para fora e atirava a esmo. O meu coração, e tenho certeza de que os corações de meus companheiros também, se apertava cada vez mais, pois o tínhamos certeza que a parede não aguentaria muito tempo como proteção. E nosso temor interno tornou-se realidade. Os tiros não paravam e castigavam a parede, tentando nos calar e a parede começou a cair sobre nós três. Travei a respiração naquele momento, sabia que a coisa não seria bonita. Vicente levou as mãos à cabeça e Toledo se jogou no chão, mas a parede não chegou a cair. Três pilares feitos de alguma gosma esverdeada sustentou a meia parede antes que ela nos esmagasse. Era uma coisa que nunca tinha visto antes em minha vida. Então ouvi algumas ordens vindas de meu sargento e aqueles pilares carregaram a parede e a fez se mover. Usamos aquilo como proteção, mesmo com toda a estranheza. Toledo arremessou uma granada com uma maestria que poucos podem ter e acertou a toca da lurdinha. Ela calou na hora. A parede caiu e se desmanchou totalmente ao tocar o solo. Olhei para trás, assim que nos asseguramos que não haveria tiro em nossa direção e vi um soldado com uniforme americano, de olhos verdes intensos, recolhendo aquela gosma toda através de seus olhos, ouvidos, nariz e boca. Vicente jurava que aquilo era a alma do americano que saiu de seu corpo e nos salvou.


Aquilo foi um Milagre, não havia dúvidas. Se havia esse tipo de dom divino do lado dos aliados, não havia como os tedescos ganharem essa guerra. Mais tarde fiquei sabendo que o nome daquele americano era cabo Christopher Lewis, conhecido entre os seus como Border, O Fronteira. Soube também que ele morreu na Alemanha, vítima de um tiro certeiro do inimigo. Mesmo os Milagres podiam morrer.


Os nosso a gente chamava de Milagres, do lado deles a gente chamava de Diabos. Os Diabos tedescos.


Depois dos combates em Massarossa a maior parte dos pracinhas rumou para uma cidade chamada Camaiore, onde dizem que batalhas terríveis e violentas entre nossos bravos homens e os tedescos se deram. Não havia dúvida da capacidade brasileira na guerra, aquela cidade foi liberada das forças alemãs. Todavia um destacamento menor, mesmo assim com bastante equipamento, homens, munição e provisões rumou para mais ao norte, bem mais adentro do território controlado pelos fascistas. Eu estava entre esses homens. Na guerra o soldado deve agir como um mecanismo de precisão dentro de uma enorme máquina e fizemos isso. Rumamos para o norte. Quem nos capitaneava era o Capitão Lívio Brotas um homem severo em suas feições, mas de grande visão tática e uma liderança grandiosa. Segui-lo em combate não era um fardo, era uma honra. Por dez dias marchamos direto ao coração do território inimigo, houve pequenas escaramuças e nossas noites não traziam quase nenhum descanso. As noites cada vez mais frias e os dias cada vez mais brancos tornavam nosso avanço demorado e penoso. Todos reclamavam, alguns apenas com um olhar de desaprovação, tentando se lembrar de nossa pátria quente e querida, outros ousavam levantar a voz um pouco além, contudo ninguém desistia ou questionava as ordens recebidas.


Foi então, na manhã congelante do décimo dia de nossa partida de Massarossa que vimos nosso objetivo.


Era uma elevação, com uma casa em seu cume, ao redor dessa elevação havia uma densa e desfolhada floresta, repleta de armadilhas naturais e provavelmente outras feitas pelos inimigos. Havíamos chegado ao que um homem da região, que auxiliava o capitão Lívio, chamava de Monte Lacrimoso, pois havia uma linda cachoeira do lado oposto, nos meses sem neve. Para nós ele era a colina 97. Um lugar longe de qualquer apoio aliado ou linha de provisão. Estávamos sozinhos. Nos perguntávamos se haveria apoio de nossos rapazes da FAB, se eles colocariam seus ovos nos ninhos dos tedescos, mas tudo o que observamos no céu cinzento eram aviões alemães.


Ao nos aproximarmos da construção no alto do monte, fomos pegos em uma chuva de morteiros de 80 milímetros!


Nós agimos de forma sorrateira, mas acabamos em uma situação muito mais próxima da morte do que da vida. Alguns correram morro acima, outros morro abaixo. Não apenas havíamos perdido o elemento surpresa, era muito pior, fomos nós os pegos como ratos em uma ratoeira.


Ouvi o tenente Moraes ordenar a seus homens que recuassem. O mesmo foi dito pelo tenente Viriato Correia.


Estávamos perdidos e perplexos. O barulho dos tiros de metralhadora não cessavam. Os morteiros caíam e os gritos dos feridos já se ouvia com força. Segurei meu rifle com a mão direita, apoiei meu capacete com a esquerda e tentei descer rápido, sendo obviamente atrapalhado por aquela neve toda.


Olhei para a esquerda e vi um três tedescos próximos de uns nove ou dez dos nossos. Retirei a mão do capacete e segurei firme o rifle. Minha intenção era alvejar aqueles malditos. O tiro foi certeiro em um deles. E justamente por eu ter certeza de que acertei é que os acontecimentos posteriores foram muito mais assombrosos. Simplesmente o alemão não caiu. Ele gritou em minha direção, como se nada tivesse acontecido, mas eu via os tiros de outros de meus compatriotas acertarem aquele homem. Um vulto passou rápido, era como se alguém corresse muito mais veloz do que os olhos pudessem acompanhar. Ele simplesmente passava próximo de nossos soldados e vários deles caiam com cortes. Era impossível fixar mira naquele alvo em movimento sobrenatural! Atirávamos a esmo, tentando achar uma forma de escaparmos daquela tortura. Foi então que ouvi o grito de Gervásio, um praça que ingressou no mesmo dia que eu. Era um grito que trazia algo muito além da dor. Vi um alemão pegá-lo pelo braço e misturá-lo a uma árvore. Não sei como descrever de outra forma. O alemão pegou o Gervásio, que perdeu o equilíbrio indo e encontro a uma árvore e então ele não bateu no tronco, ele começou a atravessar o tronco, como se a madeira fosse feita de fumaça e de súbito Gervásio e a árvore eram um só. E ele estava vivo.


Depois daquilo não lembro de muito mais coisas. Sei que consegui descer, com os demônios tedescos em meu encalço, com o barulhos das lurdinhas costurando em nossa direção e o ensurdecedor som dos morteiros caindo muito próximos.


Nos reagrupamos no pé da colina 97 e montamos acampamento. Meu coração estava tão acelerado que imaginei que ele fosse abrir caminho para fora de meu peito e eu sabia que não poderia fazer nada para impedir.


Não havia lágrimas em meu rosto, mas não tem como eu dizer que não existia um enorme pavor plantado em minha alma. Tudo que consegui fazer, enquanto obedecia cegamente às ordens de meus superiores, era rezar, na esperança de que aquele mal todo fugisse de minha mente e nunca mais voltasse.


Eu gostaria muito de dizer que naquela noite o silêncio havia imperado, mas os malditos tedescos forçaram suas explosões de forma constante. No acampamento não produzíamos o menor som sequer, nem mesmo os oficiais.


Por três dias nós tentamos tomar o 97, mas assim que colocávamos os pés para fora de um perímetro já observado, de imediato os tiros e os morteiros cantavam. Não houve mais tantos feridos, e nenhum novo morto nesses três dias, mas não conseguíamos imaginar uma forma de avançar um centímetro sequer.


O frio já fazia parte de nossos corpos e mesmo naquela desolação da alma alguns já começavam a esboçar uma retomada da sanidade. Vez ou outra já escutávamos um assobio ritmado acolá, um murmúrio cantarolado mais adiante e aquilo fez nossas almas lentamente retornarem a um estado de atenção e um mínimo de harmonia. Todos ali éramos brasileiros e não iríamos desistir nem de nosso objetivo nem de nosso espírito como povo.


Foi então, no sexto dia desde que chegamos ao monte lacrimoso que o capitão Lívio nos informou que um grupo de Milagres estava a caminho para nos ajudar a subir e vencer aquela batalha. Um certo alívio nos acometeu.


Enquanto esperávamos esses Milagres, conversávamos sobre essa nova capacidade do ser humano.


Eles nos disseram que o primeiro Milagre que apareceu foi um alemão, que voava, parecia um anjo sem asas. Voou, pairou perante todo um estádio e o mundo ficou boquiaberto, isso lá pelos idos de 36, mas eu não acredito muito nisso não. Quero dizer, eu acredito que o alemão voou sim, mas não creio que ele tenha sido o primeiro. Meu avô conta uma história de quando ele tinha mais ou menos minha idade agora, quando ele andava lá pelos lados de Corumbá, um pouco antes de roubar a vó Vina da casa dela, uma vez ele se engraçou com uma moça casada e o marido da mulher foi tirar satisfação com ele e o pegou desprevenido em um bar. O marido então enfiou uma faca de quase doze polegadas na barriga do velho Xito, na altura do umbigo. Meu avô disse que todas as vezes em que a ponta da faca tocava seu corpo, uma pedra nascia na barriga e expulsava a lâmina. O homem insistiu três vezes em empurrar aquela arma para dentro de meu avô e nas três vezes ela foi rechaçada. Ele não conta exatamente o que aconteceu depois, só que o marido fugiu e nunca mais foi visto em Corumbá nem por perto. Ele nunca comentou sobre ter revidado nem nada. Eu mesmo nunca perguntei. Sempre que contava essa história ele levantava a camisa e mostrando para os netos. A gente olhava atento, bem de perto, e até tocava três pontas de pedra, como pequenos diamantes, perto do umbigo do velho, que ria alto e exagerado. Certamente meu avô era um Milagre muito antes do alemão voador, ele só não voava.


No oitavo dia eles chegaram.


Olhando para eles não consegui imaginar nada que os tornassem especialmente diferentes de qualquer outro pracinha que estava ali. Era um tenente, dois sargentos e dois soldados. Não havia insígnias ou marcas em seus uniformes que os diferenciassem dos uniformes que nós mesmos usávamos, apenas que estavam mais limpos, mais novos.


Foram direto falar com o capitão. O que conversaram eu não sei, mas um dos sargentos acabou soltando entre um gole e outro de pinga, que o capitão havia pedido 16 Milagres, que haviam enviado 12 e que um dos aviões onde eles estavam havia sido abatido, sobrando apenas esses cinco. Eu não quis me desmoralizar ainda mais. Tinha comigo que um Milagre era bem melhor do que nenhum e eu sabia que os tedescos tinham pelo menos quatro demônios lá em cima.


Os Milagres tentaram se enturmar conosco, principalmente um dos soldados, mas quando ele se aproximava, pelo menos metade da conversa desaparecia.


Foi Licurgo, um mato-grossense pequeno e forte como um boi quem primeiro perguntou: “e aí, dói?” e olhou para os olhos do recém-chegado. Ninguém se segurou e todos riram daquela pergunta. O soldado foi simpático e respondeu com calma, enquanto enchia a caneca com um destilado que nós mesmos havíamos preparado ali. “Não. É como respirar. Não dói”.


O outro soldado, a quem ouvi chamarem de Peçanha, então foi chamado pelo tenente deles.


Fiquei de prontidão naquela noite e próximo das vinte e duas horas, o soldado Peçanha se aproximou de mim e perguntou sobre os dias em que tentamos subir o monte. Contei rapidamente a ele o que havia acontecido e disse para ele não passar nem um pé para fora da área cercada pelo arame farpado. Ele então olhou para mim, respirou fundo e caminhou em direção à cerca. Eu quase o impedi, mas antes disso ele disse: “tenho ordens”. E ultrapassou. Da mesma forma que ocorreu antes os tiros e os morteiros vieram na direção do soldado, que sumiu na escuridão. Eu fiz o sinal da cruz encomendando a alma daquele homem, pois sabia que ele fora morto. Um tempo depois algo estranho aconteceu, novos tiros, novos morteiros. E então outra vez, uma hora mais tarde. Isso nunca havia ocorrido. E ninguém mais havia passado por mim ou pelos outros que estavam de guarda.


A noite toda foi de tiros intermitentes. Como se os tedescos estivessem atirando em fantasmas.


Na manhã seguinte um dos meus amigos me conta que o soldado Peçanha apareceu do nada, já perto da base, como se fosse feito de ar e levou um caderno com anotações para o capitão.


Ele conseguiu subir, viu a base inimiga e retornou ao pé da colina 97 praticamente ileso, sem ser visto. Ele era um Milagre.


Quando deu depois da hora do rancho fomos convocados para uma reunião. Aquilo era certamente um aviso de que, ou iríamos tentar tomar o cume novamente, ou que iríamos embora, nos juntando aos outros, que já deveriam ter passado de Camaiore.


Durante a passagem das instruções, o capitão Lívio disse que o soldado Peçanha havia adquirido informações importantes sobre a base inimiga. Agora sabíamos seus números, a posição exata das metralhadoras, dos 105, e principalmente, que havia sete demônios entre eles.


Um dos demônios tinha o pseudônimo de Das Sehen, a visão. Ele tinha a capacidade de saber onde estávamos. Era por isso que os tedescos eram tão implacáveis em impedir nosso avanço.


Não fugiríamos. Nós avançaríamos com a primeira luz da manhã do dia seguinte.


O soldado Peçanha subiu sozinho o monte novamente. Antes mesmo de ultrapassar a cerca eu observei ele desaparecer. Ele apenas ficou invisível. E nenhum tiro foi dado lá de cima. Aguardamos a noite toda, preparados para o ataque, o decisivo ataque.


E então, quando o primeiro raio de sol brilhou no horizonte uma série de explosões de granadas foram ouvidas no alto do monte, e seguido às explosões os gritos de comando do capitão Lívio e dos tenentes para que avançássemos! Com coragem e determinação nós iniciamos nossa subida. Não houve tiros inicialmente, não houve morteiros. Aquilo era novidade.


Eu e meu grupo avançamos o mais rápido que conseguimos até que em certo momento, a chuva de projéteis veio em nossa direção.


Eu ouvia o zumbido das balas muito perto de mim. Colei meu corpo contra uma árvore e torcia para nenhuma daquelas assassinas me acertar. Fechei meus olhos com tanta força que achei que jamais os abriria novamente. Eu não conseguia me mover. Apenas segurava meu fuzil e rezava para Nossa Senhora e minha mãe para me tirarem dali. Um 105 caiu a uns 30 metro de mim. Segurei mais forte o fuzil. Uma árvore grande caiu em cima de um abrigo onde estavam Fontana, Ribas e o Índio. O barulho foi grande e os gritos de meus companheiros batia fundo no meu coração. Foi então que a enorme árvore começou a se mover, ela subiu alto e foi arremessada na direção do cume da 97! Era o sargento Mathias, conhecido como Touro. Os pracinhas que o viram no treinamento diziam que ele podia levantar um tanque com uma única mão, eu nunca acreditei, apesar de já ter visto alguns Milagres durante a campanha, principalmente do lado dos tedescos.


Ver aquilo me deu mais coragem. Gritei alto e continuei a subida. O Touro vinha logo atrás, arremessando enormes pedras, que poderiam pesar toneladas, monte acima. Era uma visão única. Algo inconcebível e estava do nosso lado.


O outro sargento possuía uma capacidade estranha. Ele se dividia em três, que avançavam colina acima, ativaram e logo voltavam a ser um. Dessa forma ele conseguia avançar muito mais que os outros. Eu atirei na direção de um tedesco que estava próximo demônio que juntou Gervásio à árvore, o tedesco caiu. Mirei no demônio que já estava prestes a fazer uma nova vítima. Acertei em cheio, depois de quatro tentativas. Fiquei preocupado, pensei que ele também não cairia, assim como o outro não havia caído, mas ele caiu. Eu vinguei Gervásio.

Vi então um cabo ser arremessado para cima pela explosão de um 80. O corpo caiu para um lado,como uma boneca de retalhos, metade de suas tripas estavam para fora, mas o cabo ainda gritava de dor. O soldado que havia tomado uma bebida conosco a dois dias atrás chegou perto dele, colocou a mão sobre as feridas e uma luz fez as tripas voltarem para dentro da barriga e não mais que poucos segundos depois, ele estava com o fuzil em mãos, correndo em direção ao cume. Ele realmente era um milagre.


O mesmo soldado foi quem matou Das Sehen com um tiro certeiro na cabeça.


O tenente Isaías, do grupo dos Milagres mostrou a ira de Deus aos alemães. As chamas da purificação limparam o campo, ateando fogo no mesmo demônio que eu não consegui matar com tiros. O fogo divino fez o trabalho! O demônio tornou-se uma pira incandescente em meio aos gritos de desespero. Vê-lo queimar não me trouxe paz. Vê-los queimar apenas me trouxe pesadelos.


Passadas mais de seis horas, ouvimos os primeiros gritos de rendição dos tedescos. Nós vencemos.


Capitão Lívio, junto com outros dez homens, eu incluso, entrou na casa que servia como base dos alemães. Conseguimos capturar 12 soldados deles vivos, um oficial e principalmente, um demônio. Havia muita munição e comida no abrigo. E havia também uma caixa, onde um rapaz muito jovem, de traços leves e extremamente bonito, com um uniforme soviético e repleto de tatuagens jazia. O capitão ordenou que levássemos a caixa dali e iniciamos a descida, onde vi o sargento Touro caído, sem uma de suas pernas, o soldado Martins, com os braços amputados, e vários de nossos outros homens feridos. Tudo por causa daquela caixa. Por dois dias ainda procuramos, mas não encontramos o corpo no soldado Peçanha. Se ele ficava invisível mesmo, é provável que ainda esteja lá na colina 97, no monte lacrimoso.


De posse daquele caixão, retornamos a Pisa.


A guerra havia acabado para nós. Ao menos para os que haviam entrado na casa junto com o capitão. Nós recebemos medalhas e honras, mas assinamos documentos de jamais comentarmos sobre o ataque ao monte 97. Oficialmente nós nunca estivemos lá, nenhum de nossos homens jamais morreu naquele lugar.


Em 45 então os aliados chegaram a Berlim e os Estados Unidos bombardearam duas cidades japonesas com uma arma que levou ao final da guerra, definitivamente.


Fomos recebidos como heróis quando chegamos em casa. Pelo que um ou outro comentava, todos os pracinhas assinaram documentos que impedia de falarem sobre os Milagres que viram em ação.


Com o fim da guerra nunca mais houve outro Milagre, nunca mais houve outro demônio. Os jornais começaram a tratar aquelas audazes ações como obras de valentes combatentes comuns ou como alucinações ou estresse pós traumático.


Eu podia jurar que o fim dos Milagres ocorreu com a queda das bombas atômicas.


Casei-me com Lucinha, tive quatro filhos, e vivi uma vida confortável como vendedor de carros, ainda mais quando JK pavimentou o Brasil.


Foi então, que em uma tarde de julho de 1986, sob a cidade de São Paulo, ela surgiu. Uma figura jovial, vestida de branco e dourado, com uma capa que tremulava com o vento enquanto ela voava e enfrentava bandidos. Foi em 86 que vimos pela primeira vez Madame Esperança. E então, o que nós pracinhas, veteranos da segunda guerra mundial vimos como milagres, agora eram chamados de Super Heróis. Uma nova era se iniciava. Em meus ossos eu temia por uma nova guerra.




Das memórias de meu pai, Ernesto de Abreu e Silva.




domingo, 24 de maio de 2020

Chorei no dia do meu enterro

Chorei muito quando vi meu corpo deitado, sem vida, naquele caixão.

Eu me via através do véu que colocaram sobre meu rosto, numa tonalidade mórbida, de olhos cerrados e as mãos sobre o peito. Num terno azul marinho, em uma simulação de sono sem ruído. Saber que não havia ruídos enquanto eu estava deitado ali, é o que me fazia ter certeza de que eu estava morto. Meu sono jamais foi silencioso. Minha vida não foi breve, mas eu gostava muito dela. Por isso eu chorei. Entenda que não é um choro igual ao de quando eu respirava. Agora eu não preciso mais puxar o ar e nem meu peito dói com a dor da vida, nem meus olhos ficam marejados com as lágrimas quentes que queimam o rosto. Mortos não tem lágrimas. Eu tenho apenas o sofrimento, e a dor, e o sentimento, e o choro, de uma forma quase metafórica. Mas não há metáfora no que sinto. Tenho pleno sentimento de que fui antes da hora! Mas não pense que eu choro por mim morto apenas porque eu me apegava à vida como um vivo deve fazer, eu choro por mim porque escuto os choros dos que me acompanharam em vida, ouço seus prantos e sinto seus mais sinceros sentimentos. Fui uma pessoa querida, fui fiel aos meus ideais e às pessoas que estiveram comigo. Fui leal e, de certa forma, fui a tênue conexão entre grupos distintos, que agora nunca mais se falarão ou se lembrarão uns dos outros. Fui minha história e sofro com isso.

Mas como em vida, meus sentimentos e pensamentos passeiam entre estados diferentes de um momento para outro. Vejo pessoas ao lado de minha esquife que eu não gostaria que estivessem ali. Minha tristeza por estar morto, de me ver morto, é substituída rapidamente por uma raiva por ter que servir de espetáculo aos que não merecem!

A raiva logo se abranda, pois ignoro aquelas sombras e foco novamente em mim. Lembro de quase tudo o que fiz em vida. Lembro das coisas boas, das coisas ruins e dos momentos que fizeram tudo valer a pena. Lembro dos arrependimentos e das vezes que eu gostaria de mudar de história, mas não o fazia por medo, preguiça e, principalmente, porque eu reavaliava cada passo e o preço que uma mudança no passado, impactaria muitas alegrias de várias pessoas, inclusive as minhas. Então eu tentava apenas mudar o meu futuro, tentava ser melhor. Esse sentimento me trouxe um certo alívio, enquanto eu estava ali, ao lado do meu corpo, observando com atenção a face inchada e o meu nariz. Nunca tive a oportunidade real de me observar de fora. Eu era bem diferente da imagem que minha mente formava sobre mim. Vemos sempre o reflexo do espelho, mas jamais a imagem como um todo. O resto nós preenchemos com expectativas, medos, pedaços de imaginação e achismos sobre como as pessoas nos percebem.

Minha relação com Deus sempre foi muito repleta de discussões homéricas, do meu ponto de vista, claro. Tenho certeza de que qualquer filósofo menor ou sem muito talento teria soluções para tratar com o divino bem melhores do que as minhas, mas elas, essas discussões, eram únicas e exclusivamente minhas, não pertenciam a ninguém e só faziam sentido para mim. Agora eu ouvia as rezas, que me são tão conhecidas, e elas preenchem todo os espaço. Sei quem não rezará por mim, não que essas pessoas sejam ruins, não, apenas não rezarão, pois tem suas próprias relações complicadas com Deus. Cada um dos que rezam, transbordam energias diferentes. Choro ainda mais.

O representante do cemitério chega. É hora de levar o meu caixão para o túmulo. Passo os dedos fantasmagóricos em meu rosto de carne. Nem sei se tenho dedos mesmo ou se tudo não passa de uma farsa de minha mente. Não tenho mais um corpo e a mente não limita minha consciência, sou emoção, alegria e tristeza, mas de alguma forma que ainda não sei explicar, eu penso e tenho consciência de mim mesmo e das coisas ao meu redor.

Acompanho o cortejo ruidoso de choro até o local onde serei sepultado. Esse movimento falso alivia um pouco minha dor.

O carro para, as pessoas se reúnem ao redor do caixão mais uma vez, pela última vez.

Escuto mais palavras religiosas, não consigo tirar minha atenção de mim mesmo ali, será a última vez que me verei. Isso machuca. Escuto um pequeno grupo lembrar de coisas que fiz e fatos passados. Sorrio apesar do sofrimento. Finalmente o momento mais doloroso. A tampa é colocada sobre o caixão e nunca mais ninguém verá meu rosto. Se eu tivesse lágrimas, elas já teriam secado, pois nunca chorei tanto em minha própria vida, à exceção de um único dia, que jamais abandonou as marcas de minha alma. Sou enterrado. A terra cobre a caixa onde estou. Placas de concreto cobrem o resto. Acabou.

As pessoas começam a se despedir e partir.

Algumas delas jamais se verão novamente. Em pouco tempo eu mesmo serei apenas uma lembrança fugidia na mente da maioria delas. E em algumas será como se eu nunca tivesse existido. Para outras ficarei por mais tempo, sempre ali, num canto, como uma lembrança boa e distante. É assim a vida. É assim a morte.

Ouço então um pequeno grupo cantar uma música que eu era apaixonado enquanto vivo. Isso faz com que eu chore pela última vez, pois sempre amei música, ainda mais essa.

Vejo todos partirem. Olho ao redor, olho mais uma vez para minha sepultura. É hora de eu ir embora também.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Kimiko (Hasami girl)

Kimiko
Hasami girl

A pele branca e tatuada do corpo atlético e magro da jovem mulher de não mais de 20 anos, era marcada por pequenas cicatrizes de um acidente que levou, além de seus pais, metade de sua visão.

Nesses dias ela estava com metade da cabeça raspada, a pelugem pintada em uma coloração que ia de violeta ao amarelo. A parte comprida do cabelo variava de cores, conforme um padrão pré-programado. Seu sorriso era cativante, bonito até, apesar de ligeiramente forçado para a esquerda, devido ao acidente e à reconstrução facial cibernética. Entretanto aquela imperfeição quase invisível dava uma característica charmosa à mulher. A perfeição das clínicas de estética não era seu padrão, apesar de claramente ter gostos extremamente populares entre as pessoas de sua idade.

Kimiko havia acabado de sair do último show da Arashi 37, sua atual banda favorita de J-pop. O espetáculo foi fantástico, com os movimentos de dança precisos de Non-Quantic Mira, a integrante androide do Arashi, a voz semi sintética e etérea da linda Mikasa S9, que substituiu maravilhosamente bem Mikka T2 e o acompanhamento sensual das Gyaru Tori, as trigêmeas mais famosas de Shin-Edo.

Rei, Sen e Hitomi, as amigas mais próximas de Kimiko, estavam extasiadas, elétricas e com os sentidos alterados. Elas marcaram de sair com uns rapazes da faculdade, que conheceram no show. Kimiko até gostaria de ir, conhecer gente nova, sentir corpos novos, apesar da imagem do rosto de Gin sempre assombrá-la e fazer sua boca salivar.

Contudo naquela noite ela teria de acompanhá-los apenas até ao shopping. Durante o show, a energia acabou não apenas uma, mas duas vezes. Os Kuro já são comuns, mas dois em sequência não são tão esperados. Kimiko sabia que algo estava para acontecer, infelizmente.

Enquanto conversava com as amigas e os rapazes, acendeu um cigarro, fazendo seus olhos brilharem com o fogo. Puxou fundo e sentiu o calor da fumaça em seus pulmões. Os efeitos energéticos das pastilhas de pentadextrina, também conhecidos como PD, já estavam passando. Consumiu outra pastilha. O brilho de seus olhos intensificou, dessa vez com os veios esverdeados fosforescentes característicos da droga. O mundo se tornou mais vivo.

Despediu-se dos amigos e se dirigiu a uma rua escura, perigosa. Ela não sentia medo do lugar, ela apenas esperava. Ela sabia.

Não demorou muito tempo. O ato de deixar de existir em um lugar e reaparecer em outro foi tudo o que sentiu. Ela fez uma careta para tudo aquilo. Odiava ser escrava do maldito Genocrata.

Foi transportada para um parque na periferia de Itabashi-ku, nos limites norte da cidade. Jogou ao chão o casado plástico que usava, à frente estava a maleta, abriu-a rapidamente, apreensiva, tirou a pouca roupa que usava e tratou de colocar o traje de combate sem mais demora. As tesouras foram para suas mãos tão rápidas e naturais que ela sequer pensou em pega-las. Seus reflexos estavam perfeitos e fluídos.

Olhou para o lado, buscava saber onde estariam os outros. Não havia mais ninguém.

Aguardou tensa e farmacologicamente atenta naquele parque escuro, sombrio e frio. Não arriscaria sair de perto de para onde havia sido transportada. Nada.

Voltou mais uma vez sua atenção à maleta. Um dispositivo de informação estava preso em seu interior. Não havia reparado nele antes devido a estar nervosa demais.

Pressionou levemente o botão e a mensagem se iniciou, com uma voz que ela não reconheceu:

“Não pense que não temos monitorado os surtos de energia do traje. Sua vida vale bem menos do que o equipamento. Você não passa de uma pequena engrenagem neste mecanismo complexo, Hasami.”

O suor gelado escorria de seu rosto. Nem mesmo as drogas estimulantes que consumiu mais cedo eram capazes de afastar o medo naquele momento. Ela sabia que sua vida estava no fim. Eles a executariam a qualquer momento. Esperou.

Nada.

Por uma hora permaneceu imóvel.

Seus pensamentos ficaram em suspenso até que a tensão começou a se dissipar.

“Não sou uma engrenagem, maldito, sou uma máquina de matar. Cortarei as cordas que me amarram a você e arrancarei sua cabeça como prêmio.”

Deixou-se cair ajoelhada, as lágrimas de nervosismo, medo, raiva, impotência, escorriam pelo seu olho real.

Respirou fundo, pegou suas roupas no chão. Ingeriu uma nova pastilha de PD, acendeu um cigarro e foi em direção de casa. Não iria tirar o traje. Eles que se virassem com a ideia.

Era hora de falar com Gin. Era hora de contra-atacar.

Kimiko 02

Kimiko 02

Durante a discussão com os seus associados, os Mattsu no Shinju (as seis pérolas), sobre a maldita determinação do Oyabun em relação ao homem que os extorquia, os ânimos ficaram agitados. Ran mostrava um distanciamento da paixão do momento, dizia que o homem não possuía nada contra eles, que eram ameaças infundadas. Esse ponto de vista não era compartilhado por Sasuke nem por Kimiko e mesmo eles também discordavam sobre o que deveria ser feito. Seiji tentava incessantemente conseguir informações sobre o alvo e, infelizmente, todos os seus contatos, acessos e invasões davam em conhecimento nulo. Aquilo frustrava os MS, acostumados a agir. Acostumados a matar.

Estavam perdidos, andando em círculos, cada um contra-argumentando com retóricas que não adicionavam. Foi então que os olhos de Sasuke buscaram o teto, e olhou de um lado para o outro, a sensação lhe era conhecida, ele sabia que em breve o escuro chegaria.

E então ele veio. O apagão, tão conhecido dos moradores de Shin-Edo, veio. As luzes de emergência se ativaram. Lá fora se ouvia o barulho forte de um vento que não deveria existir, mas que soprava violento sempre que a energia desaparecia.

Aquele instante de hesitação fez com que Kimiko observasse pela primeira vez o exato momento da desmaterialização de seu corpo. A raiva começou a se formar em sua alma. Ela e seus associados eram escravos de uma megacorporação, e eles foram transportados para o que ela chamava de Zonzero, a zona zero, o edifício onde tudo começou, e onde parecia ser uma intercessão importante naquele fluxo sobrenatural.

Foram levados para o alto do prédio, ao seu lado ela viu as Seis Pérolas e também Jin e Otawara. A equipe que a mídia chamava de Dākuhantā estava completa.

Vestiram os ciber trajes rapidamente, sabiam que era a diferença entre vida e morte.

Kimiko e Jin instintivamente levaram suas vistas aos mostradores dos trajes. Eles buscavam informações sobre quantos seriam os Yokai que deveriam enfrentar.

Seiji, Shinji, Ran, Sasuke e Otawara foram para a beirada do prédio, onde observaram uma enorme procissão no parque abaixo.

Os sensores indicavam muitos Yokai. Kimiko juntou-se aos outros e olhou para baixo. A fila da procissão seguia por um quarteirão. Os espíritos de vários tamanhos e formas cantavam e dançavam ao som de tambores sombrios. O vento castigava.

Kimiko entoou um cântico antigo e sutil enquanto movimentava ligeiramente seus dedos de forma ritualística. Quando passou a mão em frente ao rosto, na altura dos olhos, seu implante ocular começou a perceber as vibrações espectrais. Ela conseguia enxergar o mundo espiritual e confirmava que todos os membros da procissão eram yokai, mesmo os que estavam disfarçados de humanos.

Começou a tentar uma linha de ação junto dos aliados, mas quando percebeu, Shinji já havia pulado do alto do edifício, em direção ao solo, e começado sua matança. Não haveria conversa. Nunca havia conversa. Os outros o seguiram e com um dar de ombros despretensioso, Kimiko também saltou. Enquanto caia um sorriso se fez em seu rosto. O traje que cada um vestia lhes emprestava força e resistência sobre-humanas. Era viciante.

Quando chegou ao solo, Kimiko viu que Shinji não perdeu tempo, a lâmina mortal que ele portava retalhava com facilidade os espíritos. A velocidade com que ele executava suas manobras era desconcertante. Olhando para o lado viu os outros partirem para a ação. A precisão cirúrgica de Sasuke e Ran, enquanto disparavam em cabeças, que explodiam, tornavam a cena assustadora, a força que Seiji exercia ao atacar as criaturas, a ferocidade dos outros tudo era intenso. Aquilo a motivou e ela jogou-se na multidão de yokai, e em sua dança graciosa e destruidora, retalhava os espíritos com suas tesouras de mono lâmina, com movimentos acrobáticos e finais.

A matança continuou até o momento em que um dos Yokai, um demoniozinho ágil e saltitante, começou a absorver os restos espirituais dos espíritos assassinados. O rio de restos metafísicos se movimentava em direção monstro. Ele começou a crescer, numa forma humanoide sem definição até que se consolidou num enorme Oni vermelho, com uma grande espada curvada de lâmina larga e se apoiando em uma perna, enquanto a outra ficava dobrada na altura do joelho.

Cinco, seis metros de Oni era o que viam à frente, com enormes olhos amarelados, chifres pontiagudos e presas afiadas. Deram dois passos para trás, numa tentativa de entenderem melhor seu adversário.

O Oni gritou enquanto empunhava a enorme lâmina! Sem perderem tempo, os Dākuhantā atacaram.

Kimiko e Ran derrubaram postes de iluminação e arrancaram os fios do chão para tentarem eletrocutar o demônio. Seiji retalhava com sua espada encantada. Otawara e Jin tentavam amarrar as pernas do Oni para derrubá-lo. Sasuke e Shikamaru atiravam na coisa com tudo o que tinham.

Nada parecia surtir efeito.

O monstro desferiu golpes contra os que estavam mais próximos a ele. Os ciber trajes impediram a obliteração imediata dos pequenos humanos. A força da criatura era imensa, mas os trajes absorviam a maior parte da energia cinética. Mesmo após ser sucessivamente arremessada contra o solo, Kimiko ainda resistia.

Por vários minutos de golpes e contra golpes o combate se desenrolou. Shinji e Seiji arremessaram um carro contra o Oni. O carro foi eletrocutado e explodiu, ferindo fortemente a criatura, que mesmo assim não parava, e começava a aproximar-se de uma área movimentada. Kimiko então saltou com as tesouras e atingiu o monstro nos olhos, rasgando fundo. Num salto de costas elevou-se ao ar e então partiu com a energia acumulada contra o chão. Usou toda a força do traje para arrebentar o asfalto e fazer o Oni cair no esgoto. Foi arrastada junto, pela criatura que segurou sua perna.

Seiji e Jin pularam em seguida, atingindo fundo o crânio do monstro, que caiu morto.

A vitória chegou.

Quando viram melhor, Kimiko estava caída sob o monstro, que começava a se desfazer em uma sombra escura.

Seu implante ocular estava fora do encaixe de seu crânio, seu braço direito em uma posição impossível. Os ferimentos internos eram muitos. Seiji fez uma análise rápida do traje e viu que a energia havia acabo quando Kimiko abriu o chão. Sasuke a pegou no colo e a levou para a clínica clandestina onde ele mesmo reparava os soldados de rua da facção Yakuza de seu pai.

Ao remover o traje da jovem moça, o braço direito se desprendeu, destroçado dentro da roupa. O corpo de kimiko estava no limite. Por muitas horas Sasuke tentou de todas as formas trazer a mulher à vida. Na ante sala, os outros esperavam.

As lágrimas secaram no rosto de Otawara e Jin se continha, fortalecido em um semblante estoico, mas seu coração ficava apertado à medida que o tempo passava e não havia respostas, apenas alguns gritos de raiva e frustração além das paredes, onde Sasuke trabalhava.

Seiji, Shinji, e Shikamaru pensavam sobre o futuro e as consequências daquele dia. Ran tentava trazer um pouco de paz aos corações, servindo chá.

Foi então que, depois de uma eternidade, a porta se abriu. Todos ficaram de pé e olharam em direção a Sasuke. Esperavam resultado. Sasuke estava ensanguentado, com um olhar cansado, seus braços estavam exaustos. O servo robô ao seu lado também estava banhado em sangue.

- Ela vai viver. Fiz o que eu pude. Infelizmente ela terá de se adequar à sua nova condição. Podem vê-la pelo vidro, mas apenas rapidamente.

Como na procissão dos yokai que haviam destruído a não mais de 24 horas, eles seguiram em fila. Pelo vidro viram Kimiko, com tubos em seu corpo, o suporte de vida mantendo seus órgãos funcionais, o implante ocular numa bacia suja ao lado da cama e o braço destruído sobre uma mesa.

- Ela vai viver. Isso é o que importa.