tag:blogger.com,1999:blog-16114583901787153412024-02-20T21:17:06.396-03:00Vankman -Um lugar para contos de terror, horror, ficção científica e fantasiavankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.comBlogger27125tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-57281545822279435562021-06-27T11:41:00.004-03:002021-06-28T11:31:51.782-03:00Carta para Dulcineia - uma carta de 7 Mar (7th Sea) RPG<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><a href="https://estaticos.efe.com/efecom/recursos2/imagen.aspx?lVW2oAh2vjNRHn2CMW4aJsu0n0hcWB6hQ4TncnkXVSTX-P-2bAoG0sxzXPZPAk5l-P-2fU5UtGvYsPXRjg1YTg5sfkBXGg-P-3d-P-3d" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: medium;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="600" src="https://estaticos.efe.com/efecom/recursos2/imagen.aspx?lVW2oAh2vjNRHn2CMW4aJsu0n0hcWB6hQ4TncnkXVSTX-P-2bAoG0sxzXPZPAk5l-P-2fU5UtGvYsPXRjg1YTg5sfkBXGg-P-3d-P-3d" /></span></a></div><span style="font-size: medium;"><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"> <span style="font-family: "Dancing Script"; white-space: pre-wrap;">Ao dia 13 de quintus do ano do Criador,</span></div></span><p></p><span id="docs-internal-guid-eb07b1b0-7fff-4020-f9a5-2ea710f23318"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Dancing Script"; font-size: large;"><br /></span></div><span style="font-size: medium;"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Minha querida e amada Dulcinéia, senhora de mi vida. Esta é a primeira carta que te escrevo em muitos meses, e não é sem razão que me mantive em silêncio até este momento. Desde os acontecimentos fatídicos ocorridos ao final do outono, que culminaram em tantas mudanças radicais para a minha família e para ti, principalmente, não tenho parado, mas sua imagem está comigo eternamente. A razão de eu não ter escrito antes, nada tem a ver com coragem, pois isso jamais me faltou, tu sabes muito bem, mas tem a ver certamente com o que se seguiu, além é claro de um receio dolorido sobre como seus olhos se comportariam quando pousassem sobre o papel com o selo oculto que nós dois desenhamos quando eu ainda tinha o prazer de tocar sua mão. Agora eu vejo que preciso escrever, que devo fazê-lo, porque a minha vida já não está tão centrada como antes esteve e um acontecimento recente, cortou meu coração de um jeito que não imaginei ser possível.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Colocar aqui o que aconteceu nesses últimos tempos é muito mais complicado do que imaginei a princípio. Não é nem questão de lembrar da jornada, nomes, faces, situações ou desafios. Descrever para o papel é saber que preciso fazer com que você entenda o que há em meu coração e que não haja dúvidas a ponto de eu poder pedir seu perdão.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Não me arrependo da intenção que tive quando fiz o que fiz, contudo eu me arrependo da cadeia de situações que isso causou e isso me perseguirá enquanto minha dívida não for saldada com todos aqueles que magoei. Então, logo de início contarei a parte que você não sabe sobre a morte de Antônio, seu irmão.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Lembro bem quando conheci Antônio, aquele rapaz franzino e de olhos astutos que, assim como eu, entrou pela primeira vez através dos portais do campus primus da Universidade de Rioja. O olhar de seu irmão, e meu maior amigo, estavam estupefatos pelo lugar. Eu sei que sua família vem de linhagem que remete aos membros proeminentes do Império Antigo, além das ligações óbvias de seu pai com a Santa Igreja dos Profetas, mas ultrapassar aqueles portais ilumina a alma daqueles que buscam sabedoria. Meus olhos não estavam menos irradiados, mesmo porque eu jamais imaginaria que sendo um plebeu, filho de comerciante de ferro, teria oportunidade de ser agraciado com a admissão naquele lugar sagrado. Dividirmos o mesmo quarto e termos como paixão o desconhecido, ao qual rezávamos todas as noites para que o Criador nos permitisse desvendar, nos uniu de uma forma que apenas você sabe. Não conto nada diferente do que já conheça, mas é importante relembrar algumas coisas para dizer o que precisa ser dito. Antônio e eu sempre fomos amigos, jamais duvide. Através dele foi que conheci a mais perfeita e admirável criatura que já colocou os pés sobre Théa, tu, minha amada, mas foi também através dele que tive acesso ao motivo de nossos dissabores e sofrimentos: foi Antônio, que o Criador guarde sua alma, que me apresentou à Escuela de Sueños Velados, uma faculdade invisível, dentro do campus de Rioja.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Não me abandone agora, eu te imploro, pois o que te digo é verdade. Não deixe de ler o que ponho aqui, pois mesmo que essas palavras não tragam nosso amado Antônio à terra dos vivos, ao menos espero que elas lhe iluminem e confortem.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Sei que teu pai sabia desde o início que nós nos víamos, quando eu ia à tua casa nos períodos de férias, junto de meu amigo. Ele não queria exatamente que sua filha se envolvesse com um vendedor de ferro, como era meu destino no início, mas por alguma razão ele viu que minha busca pelo conhecimento do Criador e do mundo me levariam a lugares e situações grandiosos e, talvez por isso, ele ignorou nossa paixão, mesmo porque tu sabes, ele já estava negociando tua mão com os Veiga de Aldana.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Quando nossa relação começou a ficar mais intensa e eu avisei ao seu irmão que iríamos fugir para podermos nos casar, seu pai, Don Ramón, descobriu e exigiu de Antônio sacrifício máximo pela família, mandou que ele me matasse e desaparecesse comigo. Era uma noite fria do final de outono, estávamos eu e você na casa de tua avó, trocando juras de amor, quando a casa foi cercada por homens de tua família. Como você deve se lembrar, consegui fugir pela janela do quarto e acabei lutando com três dos que cercavam a residência. Consegui colocá-los em uma situação onde eu me pus com as costas livres e corri para a casa de meu primo Armando. Fiquei lá por quase três dias e foi de lá que eu soube que Don Ramón havia lhe levado para o convento de Santa Clarissa, nas ilhas próximas de San Agustín, e que meu pai havia sido preso por ter em casa livros proibidos sobre Sinerth e apócrifos do Império Crescente.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Nunca, em todos os meus estudos, eu levei nada do tipo para a casa de meu pai. Eu sabia exatamente quem era o especialista e acadêmico sinerthiano, Antônio. Dei um jeito de encontrar com ele na Escuela e com lágrimas ele me contou as ameaças de Don Ramón. Eu sei o quanto seria difícil para ele não obedecer à figura grandiosa de seu pai. E Antônio sabia que a única forma de fazer eu me desentocar seria, ou te ameaçando ou ameaçando meu pai. Ele escolheu ameaçar meu pai e plantou os livros em minha casa. Don Ramón resolveu as coisas contigo e a levou embora.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Antônio partiu para cima, ele iria executar as ordens que foram lhes dada, entretanto ele era um ótimo acadêmico, mas péssimo com o aço. Desarmá-lo foi simples e tentei expor com gritos e paixões meu amor por ti, como futura esposa, e por ele, como amigo. Ele não quis escutar, pegou novamente a espada e veio contra mim uma vez mais. Fiz de tudo para não acertá-lo, tanto que a luta durou alguns minutos, onde mudamos de posição e localização várias vezes. Quando chegamos à sacada do prédio principal ele deu a última estocada, que acertou meu casaco, perfurando-o violentamente, ferindo-me à altura do fígado, foi quando me virei para diminuir o impacto daquela lâmina, era fácil, só que ele perdeu o equilíbrio e eu o vi cair, para meu desespero. Pulei pela varanda, me segurando em algumas videiras e cheguei à rua, tentei com todos os meus conhecimentos revivê-lo. Tudo o que consegui foi ouvir suas uas últimas palavras, onde falou que sentia muito não ter força de vontade suficiente para não obedecer ao pai e que ele gostaria que nós ficássemos juntos, apesar de tudo. Não tenho lágrimas que possam lavar a dor que senti quando seus olhos se fecharam pela última vez. Um padre do lugar viu tudo. Tentei convencê-lo a testemunhar sobre minha inocência. Ele pediu uma quantidade de dinheiro acima de tudo o que eu conhecia, pois todos sabem quem é Don Ramón, e testemunhar contra o filho de teu pai é perigoso.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Por dias fui perseguido pelos Inquisidores a mando de Don Ramón, até que cheguei a San Teodoro, onde o Criador colocou em minha vida um grupo de três homens que me ajudaram. Cada um deles vem de uma parte diferente do mundo, todos de lugares distantes. Vassili é um ussuriano cujo tamanho tu nunca imaginarias, ele possui um sorriso largo e um olhar assustador, foi ele quem me aceitou como membro do navio no qual zarpamos; Frederich é um ex oficial de Eisen, cuja guerra levou muito de sua juventude, alegria e paixões, mas que mantém uma coragem vista em pouquíssimos homens; e Hagar, um homem de voz magnífica e jeito sisudo, que nós chamaríamos de menestrel, mas nas terras dele, em Vestenmennavenjar, é chamado de Skald. Eles salvaram minha vida e me deram uma chance de provar minha inocência um dia e, se o Criador desejar, tê-la comigo como esposa.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Partimos de San Teodoro, eu em um navio. Nunca imaginei que estar em uma nau fosse tão exigente. É uma provação, mas que aceito todos os dias com devoção ao nosso amor. A primeira parada de minha jornada foi a capital de Avalon, Carleon, uma cidade linda e de pessoas aristocráticas, onde iniciamos nosso negócio próprio. Descobrimos que havia uma querela entre duas famílias e mesmo tentando dissuadi-las de chegarem a vias de fato, acabamos envoltos em suas brigas. Exigiram que fôssemos mar adentro até as terras de Eisen, para conseguirmos uma carga bélica. Ah, meu amor, Eisen é uma terra que precisa muito da presença da Igreja dos Vaticínios. A guerra cobrou muito de seu povo e da própria paisagem. O frio exigente daquele lugar congelaria até mesmo o coração do mais ardente vulcão. Não há sorrisos em Eisen. Falta-lhes música. </span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Pegamos a carga e retornamos a Carleon, onde entregamos, mesmo a contragosto. Fomos amarrados nessa contenda e tivemos uma audiência com a grandiosa rainha Elaine, que nos pediu para irmos a Innismore, levar uma família que lhe era muito importante. Não evitamos fazer esse favor à realeza de Avalon. Em Innismore as coisas foram estranhas. O país é bonito, verde, e frio, não tão frio quanto Eisen, e por sorte nos envolvemos em uma intriga palaciana e desvendamos uma tentativa de assassinado contra o Alto Rei O'Bannon, o imortal, onde ganhamos um navio, que batizamos com o nome de Dulcinéia.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Era uma nova esperança para mim. Agora eu tinha ¼ de um navio, o mar como companhia e amigos fiéis em quem confiar. Até que…</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Ao sairmos de Innismore pegamos uma passageira, uma moça jovem e de olhar feroz e indomado, que levaríamos para Montaigne, onde ela seria educada para ser uma dama digna da corte. Durante a viagem ela mal falava e ficava com seu semblante frio e triste. Antes de continuar sou obrigado a dizer que no meio do oceano recebemos a visita de um Inquisidor, Don Diego de la Vega. O nome não me era conhecido, contudo imagino que Don Ramón o conheça bem. Ele buscava por um jovem bonito, esbelto e inteligente cuja descrição física e o nome batiam exatamente comigo. O Criador mais uma vez me abençoou e impediu que minha aventura chegasse ao fim naquele momento. </span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Continuamos em direção a Montaigne quando, numa noite escura e soturna, uma névoa sobrenatural cobriu tudo, impedindo que víssemos qualquer coisa além de um metro. Rezei forte para que aquela coisa se dissipasse, pois não era natural. E então fomos abordados por uma pirata. Ela e seus camaradas lutaram fortemente. Inicialmente imaginamos que ela desejava apenas nos roubar, mas ledo engano, ela queria resgatar a jovem Jean O'Blend, a moça que levávamos como passageira. Elas eram amantes. Infelizmente estávamos no caminho e nossa experiência permitiu que vencêssemos. Entre idas e vindas, a jovem pirata acabou se entregando à paixão de uma forma displicente e ameaçou nosso cozinheiro com uma pistola. Frederich é um exímio atirador e a acertou direto no coração. Não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-la. Aquilo me lembrou muito da situação em que me encontrei quando vi Antônio caído. Para meu desespero vi a jovem Jean gritar de amor, agonia e sofrimento enquanto tirava a própria vida. Não havia nada para elas de uma sem a outra.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Aquilo me machucou muito. Elas morreram porque não quisemos ou não soubemos conversar, negociar, dizer que apenas queríamos continuar ou ajudar ao amor delas continuar. Agora elas estão mortas. Apesar de não aprovar o ocorrido, não abandonarei meus companheiros. Eles estiveram comigo em momentos difíceis, me apoiaram e, ao seus modos, me amam, todavia tenho certeza de que nossas vidas não serão mais iluminadas como pensei no início. Creio que nossas aventuras serão lúgubres como os sorrisos das crianças eisenianas.</span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;"><span> </span>Aqui me despeço, por enquanto, meu amor, e espero que em breve eu consiga provar minha inocência e que possamos ficar juntos, até o fim de nossos dias. </span></span></p><span style="font-family: Dancing Script;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: Dancing Script;">Sempre seu, e incompleto enquanto estiver distante, Miguel Rafael Corazon Lopez</span></span></p><div style="text-align: justify;">___________________________________________</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jogo: 7º Mar</div><div style="text-align: justify;"><br /></div></span></span>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-80526170659409409882020-08-10T16:52:00.002-03:002021-04-30T19:53:20.253-03:00 Força Extraordinária Brasileira<p> <span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-weight: 700; white-space: pre-wrap;">Força Extraordinária Brasileira,</span></p><span id="docs-internal-guid-ac344c2a-7fff-bc30-3853-a54692e34997"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">uma história de Milagres vivos na segunda guerra mundial.</span></p><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ler e escrever eu aprendi cedo, na base da vara e do carinho de minha falecida tia Dalva, ela tinha os olhos de uma santa e as mãos pesadas como pedra, mas a gramática e a tabuada eu jamais esquecerei. E é justamente por isso, porque sei escrever e ler é que coloco aqui essas palavras. Espero que alguém as leia num futuro não muito distante.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Já fazia mais de quatro meses que havíamos chegado à Itália. O que mais me contrariava de estar ali era o gelo, a neve. Eu nasci no Goiás, não fui criado para suportar esse frio todo não. Os primeiros dias lá, apesar de tudo ser totalmente diferente do que eu conhecia, eram de uma sensação de férias estranhas. Estávamos em um país estrangeiro, com um povo diferente do nosso, paisagem estonteante e paramentados para enfrentarmos um inimigo que tinha experiência na guerra. Antes dessa, qual foi a última guerra que o Brasil participou? Eu nem sei. O brasileiro não gosta de matar ninguém não. O brasileiro gosta de samba, gosta de viola, gosta de música, isso sim o brasileiro gosta. E mesmo naquele lugar carregado pelo medo e tiros de metralhadora, nós trazíamos conosco a musicalidade de nossa terra. Eu gostava muito era de tocar viola e cantar sobre passarinho, contudo ali, eu estava preparado para tocar fuzil e morteiros de 60mm. Quando eu falo “preparado”, significa que eu estava lá, em meu grupamento, vestido a caráter e de fuzil na mão. Mas não tenho vergonha nenhuma em dizer que meu coração encontrava-se em solo goiano, junto de minha mãe, meu pai, meus irmãos mais novos e Lucinha, a quem sempre guardei um carinho enorme, e que Deus permitirá que eu volte pra casa e possa casar com ela.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois daqueles dias iniciais a coisa que já não era boa descarrilou de vez. Estávamos sob o comando do capitão Ayrosa chegamos a Pisa e de lá rumamos imediatamente para uma pequena cidade chamada Massarossa, que estava sob controle alemão. Ali vi a guerra em sua plenitude. Trazer aquelas imagens me torna pesaroso e de pensamento embargado. Atirar e matar quem a gente não vê e quem a gente nunca odiou não é algo que me veio fácil. E observe que estávamos sob a chuva de morteiros inimigos e uma quantidade enorme de granadas. As explosões nos deixavam tontos, fazia com que perdêssemos o equilíbrio enquanto avançávamos pelas ruelas estreitas e de pedra daquela cidadota. Foi ali mesmo, naquele dia de batalha, que vi pela primeira vez um Milagre. Claro que havia histórias sobre eles. Claro que conhecíamos até alguns nomes, trocados como segredos de crianças, mas nada te prepara para o espetáculo único que é ver um Milagre em ação!</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Precisávamos pegar o controle de uma rua que estava bloqueada pro destroços e uma forte barricada. Havia uma metralhadora que cuspia forte em nossa direção, mas mesmo assim avançávamos sistematicamente, pouco a pouco. Eu, Vicente e Toledo ficamos entocados entre uma meia parede e uma área aberta. Atiramos em direção daquela arma, que mais tarde todos nós chamaríamos de lurdinha, tentávamos acertar algo. Eu mesmo era bom de tiro, cacei desde a mais tenra idade junto com o senhor Pedro, meu pai, mas caçar um caititu numa grota é totalmente diferente de atirar em um outro ser humano. Os tiros da metralhadora vinham em nossa direção, às vezes a gente apenas colocava a arma para fora e atirava a esmo. O meu coração, e tenho certeza de que os corações de meus companheiros também, se apertava cada vez mais, pois o tínhamos certeza que a parede não aguentaria muito tempo como proteção. E nosso temor interno tornou-se realidade. Os tiros não paravam e castigavam a parede, tentando nos calar e a parede começou a cair sobre nós três. Travei a respiração naquele momento, sabia que a coisa não seria bonita. Vicente levou as mãos à cabeça e Toledo se jogou no chão, mas a parede não chegou a cair. Três pilares feitos de alguma gosma esverdeada sustentou a meia parede antes que ela nos esmagasse. Era uma coisa que nunca tinha visto antes em minha vida. Então ouvi algumas ordens vindas de meu sargento e aqueles pilares carregaram a parede e a fez se mover. Usamos aquilo como proteção, mesmo com toda a estranheza. Toledo arremessou uma granada com uma maestria que poucos podem ter e acertou a toca da lurdinha. Ela calou na hora. A parede caiu e se desmanchou totalmente ao tocar o solo. Olhei para trás, assim que nos asseguramos que não haveria tiro em nossa direção e vi um soldado com uniforme americano, de olhos verdes intensos, recolhendo aquela gosma toda através de seus olhos, ouvidos, nariz e boca. Vicente jurava que aquilo era a alma do americano que saiu de seu corpo e nos salvou.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Aquilo foi um Milagre, não havia dúvidas. Se havia esse tipo de dom divino do lado dos aliados, não havia como os tedescos ganharem essa guerra. Mais tarde fiquei sabendo que o nome daquele americano era cabo Christopher Lewis, conhecido entre os seus como Border, O Fronteira. Soube também que ele morreu na Alemanha, vítima de um tiro certeiro do inimigo. Mesmo os Milagres podiam morrer.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os nosso a gente chamava de Milagres, do lado deles a gente chamava de Diabos. Os Diabos tedescos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois dos combates em Massarossa a maior parte dos pracinhas rumou para uma cidade chamada Camaiore, onde dizem que batalhas terríveis e violentas entre nossos bravos homens e os tedescos se deram. Não havia dúvida da capacidade brasileira na guerra, aquela cidade foi liberada das forças alemãs. Todavia um destacamento menor, mesmo assim com bastante equipamento, homens, munição e provisões rumou para mais ao norte, bem mais adentro do território controlado pelos fascistas. Eu estava entre esses homens. Na guerra o soldado deve agir como um mecanismo de precisão dentro de uma enorme máquina e fizemos isso. Rumamos para o norte. Quem nos capitaneava era o Capitão Lívio Brotas um homem severo em suas feições, mas de grande visão tática e uma liderança grandiosa. Segui-lo em combate não era um fardo, era uma honra. Por dez dias marchamos direto ao coração do território inimigo, houve pequenas escaramuças e nossas noites não traziam quase nenhum descanso. As noites cada vez mais frias e os dias cada vez mais brancos tornavam nosso avanço demorado e penoso. Todos reclamavam, alguns apenas com um olhar de desaprovação, tentando se lembrar de nossa pátria quente e querida, outros ousavam levantar a voz um pouco além, contudo ninguém desistia ou questionava as ordens recebidas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi então, na manhã congelante do décimo dia de nossa partida de Massarossa que vimos nosso objetivo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Era uma elevação, com uma casa em seu cume, ao redor dessa elevação havia uma densa e desfolhada floresta, repleta de armadilhas naturais e provavelmente outras feitas pelos inimigos. Havíamos chegado ao que um homem da região, que auxiliava o capitão Lívio, chamava de Monte Lacrimoso, pois havia uma linda cachoeira do lado oposto, nos meses sem neve. Para nós ele era a colina 97. Um lugar longe de qualquer apoio aliado ou linha de provisão. Estávamos sozinhos. Nos perguntávamos se haveria apoio de nossos rapazes da FAB, se eles colocariam seus ovos nos ninhos dos tedescos, mas tudo o que observamos no céu cinzento eram aviões alemães.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ao nos aproximarmos da construção no alto do monte, fomos pegos em uma chuva de morteiros de 80 milímetros!</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nós agimos de forma sorrateira, mas acabamos em uma situação muito mais próxima da morte do que da vida. Alguns correram morro acima, outros morro abaixo. Não apenas havíamos perdido o elemento surpresa, era muito pior, fomos nós os pegos como ratos em uma ratoeira.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ouvi o tenente Moraes ordenar a seus homens que recuassem. O mesmo foi dito pelo tenente Viriato Correia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Estávamos perdidos e perplexos. O barulho dos tiros de metralhadora não cessavam. Os morteiros caíam e os gritos dos feridos já se ouvia com força. Segurei meu rifle com a mão direita, apoiei meu capacete com a esquerda e tentei descer rápido, sendo obviamente atrapalhado por aquela neve toda.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Olhei para a esquerda e vi um três tedescos próximos de uns nove ou dez dos nossos. Retirei a mão do capacete e segurei firme o rifle. Minha intenção era alvejar aqueles malditos. O tiro foi certeiro em um deles. E justamente por eu ter certeza de que acertei é que os acontecimentos posteriores foram muito mais assombrosos. Simplesmente o alemão não caiu. Ele gritou em minha direção, como se nada tivesse acontecido, mas eu via os tiros de outros de meus compatriotas acertarem aquele homem. Um vulto passou rápido, era como se alguém corresse muito mais veloz do que os olhos pudessem acompanhar. Ele simplesmente passava próximo de nossos soldados e vários deles caiam com cortes. Era impossível fixar mira naquele alvo em movimento sobrenatural! Atirávamos a esmo, tentando achar uma forma de escaparmos daquela tortura. Foi então que ouvi o grito de Gervásio, um praça que ingressou no mesmo dia que eu. Era um grito que trazia algo muito além da dor. Vi um alemão pegá-lo pelo braço e misturá-lo a uma árvore. Não sei como descrever de outra forma. O alemão pegou o Gervásio, que perdeu o equilíbrio indo e encontro a uma árvore e então ele não bateu no tronco, ele começou a atravessar o tronco, como se a madeira fosse feita de fumaça e de súbito Gervásio e a árvore eram um só. E ele estava vivo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois daquilo não lembro de muito mais coisas. Sei que consegui descer, com os demônios tedescos em meu encalço, com o barulhos das lurdinhas costurando em nossa direção e o ensurdecedor som dos morteiros caindo muito próximos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nos reagrupamos no pé da colina 97 e montamos acampamento. Meu coração estava tão acelerado que imaginei que ele fosse abrir caminho para fora de meu peito e eu sabia que não poderia fazer nada para impedir.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não havia lágrimas em meu rosto, mas não tem como eu dizer que não existia um enorme pavor plantado em minha alma. Tudo que consegui fazer, enquanto obedecia cegamente às ordens de meus superiores, era rezar, na esperança de que aquele mal todo fugisse de minha mente e nunca mais voltasse.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu gostaria muito de dizer que naquela noite o silêncio havia imperado, mas os malditos tedescos forçaram suas explosões de forma constante. No acampamento não produzíamos o menor som sequer, nem mesmo os oficiais.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Por três dias nós tentamos tomar o 97, mas assim que colocávamos os pés para fora de um perímetro já observado, de imediato os tiros e os morteiros cantavam. Não houve mais tantos feridos, e nenhum novo morto nesses três dias, mas não conseguíamos imaginar uma forma de avançar um centímetro sequer.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O frio já fazia parte de nossos corpos e mesmo naquela desolação da alma alguns já começavam a esboçar uma retomada da sanidade. Vez ou outra já escutávamos um assobio ritmado acolá, um murmúrio cantarolado mais adiante e aquilo fez nossas almas lentamente retornarem a um estado de atenção e um mínimo de harmonia. Todos ali éramos brasileiros e não iríamos desistir nem de nosso objetivo nem de nosso espírito como povo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi então, no sexto dia desde que chegamos ao monte lacrimoso que o capitão Lívio nos informou que um grupo de Milagres estava a caminho para nos ajudar a subir e vencer aquela batalha. Um certo alívio nos acometeu.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Enquanto esperávamos esses Milagres, conversávamos sobre essa nova capacidade do ser humano.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eles nos disseram que o primeiro Milagre que apareceu foi um alemão, que voava, parecia um anjo sem asas. Voou, pairou perante todo um estádio e o mundo ficou boquiaberto, isso lá pelos idos de 36, mas eu não acredito muito nisso não. Quero dizer, eu acredito que o alemão voou sim, mas não creio que ele tenha sido o primeiro. Meu avô conta uma história de quando ele tinha mais ou menos minha idade agora, quando ele andava lá pelos lados de Corumbá, um pouco antes de roubar a vó Vina da casa dela, uma vez ele se engraçou com uma moça casada e o marido da mulher foi tirar satisfação com ele e o pegou desprevenido em um bar. O marido então enfiou uma faca de quase doze polegadas na barriga do velho Xito, na altura do umbigo. Meu avô disse que todas as vezes em que a ponta da faca tocava seu corpo, uma pedra nascia na barriga e expulsava a lâmina. O homem insistiu três vezes em empurrar aquela arma para dentro de meu avô e nas três vezes ela foi rechaçada. Ele não conta exatamente o que aconteceu depois, só que o marido fugiu e nunca mais foi visto em Corumbá nem por perto. Ele nunca comentou sobre ter revidado nem nada. Eu mesmo nunca perguntei. Sempre que contava essa história ele levantava a camisa e mostrando para os netos. A gente olhava atento, bem de perto, e até tocava três pontas de pedra, como pequenos diamantes, perto do umbigo do velho, que ria alto e exagerado. Certamente meu avô era um Milagre muito antes do alemão voador, ele só não voava.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No oitavo dia eles chegaram.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Olhando para eles não consegui imaginar nada que os tornassem especialmente diferentes de qualquer outro pracinha que estava ali. Era um tenente, dois sargentos e dois soldados. Não havia insígnias ou marcas em seus uniformes que os diferenciassem dos uniformes que nós mesmos usávamos, apenas que estavam mais limpos, mais novos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foram direto falar com o capitão. O que conversaram eu não sei, mas um dos sargentos acabou soltando entre um gole e outro de pinga, que o capitão havia pedido 16 Milagres, que haviam enviado 12 e que um dos aviões onde eles estavam havia sido abatido, sobrando apenas esses cinco. Eu não quis me desmoralizar ainda mais. Tinha comigo que um Milagre era bem melhor do que nenhum e eu sabia que os tedescos tinham pelo menos quatro demônios lá em cima.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Milagres tentaram se enturmar conosco, principalmente um dos soldados, mas quando ele se aproximava, pelo menos metade da conversa desaparecia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi Licurgo, um mato-grossense pequeno e forte como um boi quem primeiro perguntou: “e aí, dói?” e olhou para os olhos do recém-chegado. Ninguém se segurou e todos riram daquela pergunta. O soldado foi simpático e respondeu com calma, enquanto enchia a caneca com um destilado que nós mesmos havíamos preparado ali. “Não. É como respirar. Não dói”.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O outro soldado, a quem ouvi chamarem de Peçanha, então foi chamado pelo tenente deles.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Fiquei de prontidão naquela noite e próximo das vinte e duas horas, o soldado Peçanha se aproximou de mim e perguntou sobre os dias em que tentamos subir o monte. Contei rapidamente a ele o que havia acontecido e disse para ele não passar nem um pé para fora da área cercada pelo arame farpado. Ele então olhou para mim, respirou fundo e caminhou em direção à cerca. Eu quase o impedi, mas antes disso ele disse: “tenho ordens”. E ultrapassou. Da mesma forma que ocorreu antes os tiros e os morteiros vieram na direção do soldado, que sumiu na escuridão. Eu fiz o sinal da cruz encomendando a alma daquele homem, pois sabia que ele fora morto. Um tempo depois algo estranho aconteceu, novos tiros, novos morteiros. E então outra vez, uma hora mais tarde. Isso nunca havia ocorrido. E ninguém mais havia passado por mim ou pelos outros que estavam de guarda.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A noite toda foi de tiros intermitentes. Como se os tedescos estivessem atirando em fantasmas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na manhã seguinte um dos meus amigos me conta que o soldado Peçanha apareceu do nada, já perto da base, como se fosse feito de ar e levou um caderno com anotações para o capitão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ele conseguiu subir, viu a base inimiga e retornou ao pé da colina 97 praticamente ileso, sem ser visto. Ele era um Milagre.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando deu depois da hora do rancho fomos convocados para uma reunião. Aquilo era certamente um aviso de que, ou iríamos tentar tomar o cume novamente, ou que iríamos embora, nos juntando aos outros, que já deveriam ter passado de Camaiore.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Durante a passagem das instruções, o capitão Lívio disse que o soldado Peçanha havia adquirido informações importantes sobre a base inimiga. Agora sabíamos seus números, a posição exata das metralhadoras, dos 105, e principalmente, que havia sete demônios entre eles.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um dos demônios tinha o pseudônimo de Das Sehen, a visão. Ele tinha a capacidade de saber onde estávamos. Era por isso que os tedescos eram tão implacáveis em impedir nosso avanço.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não fugiríamos. Nós avançaríamos com a primeira luz da manhã do dia seguinte.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O soldado Peçanha subiu sozinho o monte novamente. Antes mesmo de ultrapassar a cerca eu observei ele desaparecer. Ele apenas ficou invisível. E nenhum tiro foi dado lá de cima. Aguardamos a noite toda, preparados para o ataque, o decisivo ataque.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E então, quando o primeiro raio de sol brilhou no horizonte uma série de explosões de granadas foram ouvidas no alto do monte, e seguido às explosões os gritos de comando do capitão Lívio e dos tenentes para que avançássemos! Com coragem e determinação nós iniciamos nossa subida. Não houve tiros inicialmente, não houve morteiros. Aquilo era novidade.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu e meu grupo avançamos o mais rápido que conseguimos até que em certo momento, a chuva de projéteis veio em nossa direção.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu ouvia o zumbido das balas muito perto de mim. Colei meu corpo contra uma árvore e torcia para nenhuma daquelas assassinas me acertar. Fechei meus olhos com tanta força que achei que jamais os abriria novamente. Eu não conseguia me mover. Apenas segurava meu fuzil e rezava para Nossa Senhora e minha mãe para me tirarem dali. Um 105 caiu a uns 30 metro de mim. Segurei mais forte o fuzil. Uma árvore grande caiu em cima de um abrigo onde estavam Fontana, Ribas e o Índio. O barulho foi grande e os gritos de meus companheiros batia fundo no meu coração. Foi então que a enorme árvore começou a se mover, ela subiu alto e foi arremessada na direção do cume da 97! Era o sargento Mathias, conhecido como Touro. Os pracinhas que o viram no treinamento diziam que ele podia levantar um tanque com uma única mão, eu nunca acreditei, apesar de já ter visto alguns Milagres durante a campanha, principalmente do lado dos tedescos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ver aquilo me deu mais coragem. Gritei alto e continuei a subida. O Touro vinha logo atrás, arremessando enormes pedras, que poderiam pesar toneladas, monte acima. Era uma visão única. Algo inconcebível e estava do nosso lado.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O outro sargento possuía uma capacidade estranha. Ele se dividia em três, que avançavam colina acima, ativaram e logo voltavam a ser um. Dessa forma ele conseguia avançar muito mais que os outros. Eu atirei na direção de um tedesco que estava próximo demônio que juntou Gervásio à árvore, o tedesco caiu. Mirei no demônio que já estava prestes a fazer uma nova vítima. Acertei em cheio, depois de quatro tentativas. Fiquei preocupado, pensei que ele também não cairia, assim como o outro não havia caído, mas ele caiu. Eu vinguei Gervásio.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Vi então um cabo ser arremessado para cima pela explosão de um 80. O corpo caiu para um lado,como uma boneca de retalhos, metade de suas tripas estavam para fora, mas o cabo ainda gritava de dor. O soldado que havia tomado uma bebida conosco a dois dias atrás chegou perto dele, colocou a mão sobre as feridas e uma luz fez as tripas voltarem para dentro da barriga e não mais que poucos segundos depois, ele estava com o fuzil em mãos, correndo em direção ao cume. Ele realmente era um milagre.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O mesmo soldado foi quem matou Das Sehen com um tiro certeiro na cabeça.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O tenente Isaías, do grupo dos Milagres mostrou a ira de Deus aos alemães. As chamas da purificação limparam o campo, ateando fogo no mesmo demônio que eu não consegui matar com tiros. O fogo divino fez o trabalho! O demônio tornou-se uma pira incandescente em meio aos gritos de desespero. Vê-lo queimar não me trouxe paz. Vê-los queimar apenas me trouxe pesadelos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Passadas mais de seis horas, ouvimos os primeiros gritos de rendição dos tedescos. Nós vencemos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Capitão Lívio, junto com outros dez homens, eu incluso, entrou na casa que servia como base dos alemães. Conseguimos capturar 12 soldados deles vivos, um oficial e principalmente, um demônio. Havia muita munição e comida no abrigo. E havia também uma caixa, onde um rapaz muito jovem, de traços leves e extremamente bonito, com um uniforme soviético e repleto de tatuagens jazia. O capitão ordenou que levássemos a caixa dali e iniciamos a descida, onde vi o sargento Touro caído, sem uma de suas pernas, o soldado Martins, com os braços amputados, e vários de nossos outros homens feridos. Tudo por causa daquela caixa. Por dois dias ainda procuramos, mas não encontramos o corpo no soldado Peçanha. Se ele ficava invisível mesmo, é provável que ainda esteja lá na colina 97, no monte lacrimoso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">De posse daquele caixão, retornamos a Pisa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A guerra havia acabado para nós. Ao menos para os que haviam entrado na casa junto com o capitão. Nós recebemos medalhas e honras, mas assinamos documentos de jamais comentarmos sobre o ataque ao monte 97. Oficialmente nós nunca estivemos lá, nenhum de nossos homens jamais morreu naquele lugar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em 45 então os aliados chegaram a Berlim e os Estados Unidos bombardearam duas cidades japonesas com uma arma que levou ao final da guerra, definitivamente.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Fomos recebidos como heróis quando chegamos em casa. Pelo que um ou outro comentava, todos os pracinhas assinaram documentos que impedia de falarem sobre os Milagres que viram em ação.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Com o fim da guerra nunca mais houve outro Milagre, nunca mais houve outro demônio. Os jornais começaram a tratar aquelas audazes ações como obras de valentes combatentes comuns ou como alucinações ou estresse pós traumático.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu podia jurar que o fim dos Milagres ocorreu com a queda das bombas atômicas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Casei-me com Lucinha, tive quatro filhos, e vivi uma vida confortável como vendedor de carros, ainda mais quando JK pavimentou o Brasil.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi então, que em uma tarde de julho de 1986, sob a cidade de São Paulo, ela surgiu. Uma figura jovial, vestida de branco e dourado, com uma capa que tremulava com o vento enquanto ela voava e enfrentava bandidos. Foi em 86 que vimos pela primeira vez Madame Esperança. E então, o que nós pracinhas, veteranos da segunda guerra mundial vimos como milagres, agora eram chamados de Super Heróis. Uma nova era se iniciava. Em meus ossos eu temia por uma nova guerra.</span></p><br /><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Das memórias de meu pai, Ernesto de Abreu e Silva.</span></p><br /><br /><br /></span>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-48019473707194155172020-05-24T18:59:00.000-03:002020-05-25T09:25:10.148-03:00Chorei no dia do meu enterro
<p>Chorei muito quando vi meu corpo deitado, sem vida, naquele caixão.
<p>Eu me via através do véu que colocaram sobre meu rosto, numa tonalidade mórbida, de olhos cerrados e as mãos sobre o peito. Num terno azul marinho, em uma simulação de sono sem ruído. Saber que não havia ruídos enquanto eu estava deitado ali, é o que me fazia ter certeza de que eu estava morto. Meu sono jamais foi silencioso. Minha vida não foi breve, mas eu gostava muito dela. Por isso eu chorei. Entenda que não é um choro igual ao de quando eu respirava. Agora eu não preciso mais puxar o ar e nem meu peito dói com a dor da vida, nem meus olhos ficam marejados com as lágrimas quentes que queimam o rosto. Mortos não tem lágrimas. Eu tenho apenas o sofrimento, e a dor, e o sentimento, e o choro, de uma forma quase metafórica. Mas não há metáfora no que sinto. Tenho pleno sentimento de que fui antes da hora! Mas não pense que eu choro por mim morto apenas porque eu me apegava à vida como um vivo deve fazer, eu choro por mim porque escuto os choros dos que me acompanharam em vida, ouço seus prantos e sinto seus mais sinceros sentimentos. Fui uma pessoa querida, fui fiel aos meus ideais e às pessoas que estiveram comigo. Fui leal e, de certa forma, fui a tênue conexão entre grupos distintos, que agora nunca mais se falarão ou se lembrarão uns dos outros. Fui minha história e sofro com isso.
<p>Mas como em vida, meus sentimentos e pensamentos passeiam entre estados diferentes de um momento para outro. Vejo pessoas ao lado de minha esquife que eu não gostaria que estivessem ali. Minha tristeza por estar morto, de me ver morto, é substituída rapidamente por uma raiva por ter que servir de espetáculo aos que não merecem!
<p>A raiva logo se abranda, pois ignoro aquelas sombras e foco novamente em mim. Lembro de quase tudo o que fiz em vida. Lembro das coisas boas, das coisas ruins e dos momentos que fizeram tudo valer a pena. Lembro dos arrependimentos e das vezes que eu gostaria de mudar de história, mas não o fazia por medo, preguiça e, principalmente, porque eu reavaliava cada passo e o preço que uma mudança no passado, impactaria muitas alegrias de várias pessoas, inclusive as minhas. Então eu tentava apenas mudar o meu futuro, tentava ser melhor. Esse sentimento me trouxe um certo alívio, enquanto eu estava ali, ao lado do meu corpo, observando com atenção a face inchada e o meu nariz. Nunca tive a oportunidade real de me observar de fora. Eu era bem diferente da imagem que minha mente formava sobre mim. Vemos sempre o reflexo do espelho, mas jamais a imagem como um todo. O resto nós preenchemos com expectativas, medos, pedaços de imaginação e achismos sobre como as pessoas nos percebem.
<p>Minha relação com Deus sempre foi muito repleta de discussões homéricas, do meu ponto de vista, claro. Tenho certeza de que qualquer filósofo menor ou sem muito talento teria soluções para tratar com o divino bem melhores do que as minhas, mas elas, essas discussões, eram únicas e exclusivamente minhas, não pertenciam a ninguém e só faziam sentido para mim. Agora eu ouvia as rezas, que me são tão conhecidas, e elas preenchem todo os espaço. Sei quem não rezará por mim, não que essas pessoas sejam ruins, não, apenas não rezarão, pois tem suas próprias relações complicadas com Deus. Cada um dos que rezam, transbordam energias diferentes. Choro ainda mais.
<p>O representante do cemitério chega. É hora de levar o meu caixão para o túmulo. Passo os dedos fantasmagóricos em meu rosto de carne. Nem sei se tenho dedos mesmo ou se tudo não passa de uma farsa de minha mente. Não tenho mais um corpo e a mente não limita minha consciência, sou emoção, alegria e tristeza, mas de alguma forma que ainda não sei explicar, eu penso e tenho consciência de mim mesmo e das coisas ao meu redor.
<p>Acompanho o cortejo ruidoso de choro até o local onde serei sepultado. Esse movimento falso alivia um pouco minha dor.
<p>O carro para, as pessoas se reúnem ao redor do caixão mais uma vez, pela última vez.
<p>Escuto mais palavras religiosas, não consigo tirar minha atenção de mim mesmo ali, será a última vez que me verei. Isso machuca. Escuto um pequeno grupo lembrar de coisas que fiz e fatos passados. Sorrio apesar do sofrimento. Finalmente o momento mais doloroso. A tampa é colocada sobre o caixão e nunca mais ninguém verá meu rosto. Se eu tivesse lágrimas, elas já teriam secado, pois nunca chorei tanto em minha própria vida, à exceção de um único dia, que jamais abandonou as marcas de minha alma. Sou enterrado. A terra cobre a caixa onde estou. Placas de concreto cobrem o resto. Acabou.
<p>As pessoas começam a se despedir e partir.
<p>Algumas delas jamais se verão novamente. Em pouco tempo eu mesmo serei apenas uma lembrança fugidia na mente da maioria delas. E em algumas será como se eu nunca tivesse existido. Para outras ficarei por mais tempo, sempre ali, num canto, como uma lembrança boa e distante. É assim a vida. É assim a morte.
<p>Ouço então um pequeno grupo cantar uma música que eu era apaixonado enquanto vivo. Isso faz com que eu chore pela última vez, pois sempre amei música, ainda mais essa.
<p>Vejo todos partirem. Olho ao redor, olho mais uma vez para minha sepultura. É hora de eu ir embora também.
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-21868052429051989392020-04-08T08:53:00.006-03:002022-09-26T14:09:51.913-03:00Kimiko (Hasami girl)Kimiko
<br />Hasami girl
<br />
<br />A pele branca e tatuada do corpo atlético e magro da jovem mulher de não mais de 20 anos, era marcada por pequenas cicatrizes de um acidente que levou, além de seus pais, metade de sua visão.
<br />
<br />Nesses dias ela estava com metade da cabeça raspada, a pelugem pintada em uma coloração que ia de violeta ao amarelo. A parte comprida do cabelo variava de cores, conforme um padrão pré-programado. Seu sorriso era cativante, bonito até, apesar de ligeiramente forçado para a esquerda, devido ao acidente e à reconstrução facial cibernética. Entretanto aquela imperfeição quase invisível dava uma característica charmosa à mulher. A perfeição das clínicas de estética não era seu padrão, apesar de claramente ter gostos extremamente populares entre as pessoas de sua idade.
<br />
<br />Kimiko havia acabado de sair do último show da Arashi 37, sua atual banda favorita de J-pop. O espetáculo foi fantástico, com os movimentos de dança precisos de Non-Quantic Mira, a integrante androide do Arashi, a voz semi sintética e etérea da linda Mikasa S9, que substituiu maravilhosamente bem Mikka T2 e o acompanhamento sensual das Gyaru Tori, as trigêmeas mais famosas de Shin-Edo.
<br />
<br />Rei, Sen e Hitomi, as amigas mais próximas de Kimiko, estavam extasiadas, elétricas e com os sentidos alterados. Elas marcaram de sair com uns rapazes da faculdade, que conheceram no show. Kimiko até gostaria de ir, conhecer gente nova, sentir corpos novos, apesar da imagem do rosto de Gin sempre assombrá-la e fazer sua boca salivar.
<br />
<br />Contudo naquela noite ela teria de acompanhá-los apenas até ao shopping. Durante o show, a energia acabou não apenas uma, mas duas vezes. Os Kuro já são comuns, mas dois em sequência não são tão esperados. Kimiko sabia que algo estava para acontecer, infelizmente.
<br />
<br />Enquanto conversava com as amigas e os rapazes, acendeu um cigarro, fazendo seus olhos brilharem com o fogo. Puxou fundo e sentiu o calor da fumaça em seus pulmões. Os efeitos energéticos das pastilhas de pentadextrina, também conhecidos como PD, já estavam passando. Consumiu outra pastilha. O brilho de seus olhos intensificou, dessa vez com os veios esverdeados fosforescentes característicos da droga. O mundo se tornou mais vivo.
<br />
<br />Despediu-se dos amigos e se dirigiu a uma rua escura, perigosa. Ela não sentia medo do lugar, ela apenas esperava. Ela sabia.
<br />
<br />Não demorou muito tempo. O ato de deixar de existir em um lugar e reaparecer em outro foi tudo o que sentiu. Ela fez uma careta para tudo aquilo. Odiava ser escrava do maldito Genocrata.
<br />
<br />Foi transportada para um parque na periferia de Itabashi-ku, nos limites norte da cidade. Jogou ao chão o casado plástico que usava, à frente estava a maleta, abriu-a rapidamente, apreensiva, tirou a pouca roupa que usava e tratou de colocar o traje de combate sem mais demora. As tesouras foram para suas mãos tão rápidas e naturais que ela sequer pensou em pega-las. Seus reflexos estavam perfeitos e fluídos.
<br />
<br />Olhou para o lado, buscava saber onde estariam os outros. Não havia mais ninguém.
<br />
<br />Aguardou tensa e farmacologicamente atenta naquele parque escuro, sombrio e frio. Não arriscaria sair de perto de para onde havia sido transportada. Nada.
<br />
<br />Voltou mais uma vez sua atenção à maleta. Um dispositivo de informação estava preso em seu interior. Não havia reparado nele antes devido a estar nervosa demais.
<br />
<br />Pressionou levemente o botão e a mensagem se iniciou, com uma voz que ela não reconheceu:
<br />
<br />“Não pense que não temos monitorado os surtos de energia do traje. Sua vida vale bem menos do que o equipamento. Você não passa de uma pequena engrenagem neste mecanismo complexo, Hasami.”
<br />
<br />O suor gelado escorria de seu rosto. Nem mesmo as drogas estimulantes que consumiu mais cedo eram capazes de afastar o medo naquele momento. Ela sabia que sua vida estava no fim. Eles a executariam a qualquer momento. Esperou.
<br />
<br />Nada.
<br />
<br />Por uma hora permaneceu imóvel.
<br />
<br />Seus pensamentos ficaram em suspenso até que a tensão começou a se dissipar.
<br />
<br />“Não sou uma engrenagem, maldito, sou uma máquina de matar. Cortarei as cordas que me amarram a você e arrancarei sua cabeça como prêmio.”
<br />
<br />Deixou-se cair ajoelhada, as lágrimas de nervosismo, medo, raiva, impotência, escorriam pelo seu olho real.
<br />
<br />Respirou fundo, pegou suas roupas no chão. Ingeriu uma nova pastilha de PD, acendeu um cigarro e foi em direção de casa. Não iria tirar o traje. Eles que se virassem com a ideia.
<br />
<br />Era hora de falar com Gin. Era hora de contra-atacar.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-25073719115974322522020-04-08T08:48:00.007-03:002022-09-26T14:22:38.382-03:00Kimiko 02Kimiko 02
<br />
<br />Durante a discussão com os seus associados, os Mattsu no Shinju (as seis pérolas), sobre a maldita determinação do Oyabun em relação ao homem que os extorquia, os ânimos ficaram agitados. Ran mostrava um distanciamento da paixão do momento, dizia que o homem não possuía nada contra eles, que eram ameaças infundadas. Esse ponto de vista não era compartilhado por Sasuke nem por Kimiko e mesmo eles também discordavam sobre o que deveria ser feito. Seiji tentava incessantemente conseguir informações sobre o alvo e, infelizmente, todos os seus contatos, acessos e invasões davam em conhecimento nulo. Aquilo frustrava os MS, acostumados a agir. Acostumados a matar.
<br />
<br />Estavam perdidos, andando em círculos, cada um contra-argumentando com retóricas que não adicionavam. Foi então que os olhos de Sasuke buscaram o teto, e olhou de um lado para o outro, a sensação lhe era conhecida, ele sabia que em breve o escuro chegaria.
<br />
<br />E então ele veio. O apagão, tão conhecido dos moradores de Shin-Edo, veio. As luzes de emergência se ativaram. Lá fora se ouvia o barulho forte de um vento que não deveria existir, mas que soprava violento sempre que a energia desaparecia.
<br />
<br />Aquele instante de hesitação fez com que Kimiko observasse pela primeira vez o exato momento da desmaterialização de seu corpo. A raiva começou a se formar em sua alma. Ela e seus associados eram escravos de uma megacorporação, e eles foram transportados para o que ela chamava de Zonzero, a zona zero, o edifício onde tudo começou, e onde parecia ser uma intercessão importante naquele fluxo sobrenatural.
<br />
<br />Foram levados para o alto do prédio, ao seu lado ela viu as Seis Pérolas e também Jin e Otawara. A equipe que a mídia chamava de Dākuhantā estava completa.
<br />
<br />Vestiram os ciber trajes rapidamente, sabiam que era a diferença entre vida e morte.
<br />
<br />Kimiko e Jin instintivamente levaram suas vistas aos mostradores dos trajes. Eles buscavam informações sobre quantos seriam os Yokai que deveriam enfrentar.
<br />
<br />Seiji, Shinji, Ran, Sasuke e Otawara foram para a beirada do prédio, onde observaram uma enorme procissão no parque abaixo.
<br />
<br />Os sensores indicavam muitos Yokai. Kimiko juntou-se aos outros e olhou para baixo. A fila da procissão seguia por um quarteirão. Os espíritos de vários tamanhos e formas cantavam e dançavam ao som de tambores sombrios. O vento castigava.
<br />
<br />Kimiko entoou um cântico antigo e sutil enquanto movimentava ligeiramente seus dedos de forma ritualística. Quando passou a mão em frente ao rosto, na altura dos olhos, seu implante ocular começou a perceber as vibrações espectrais. Ela conseguia enxergar o mundo espiritual e confirmava que todos os membros da procissão eram yokai, mesmo os que estavam disfarçados de humanos.
<br />
<br />Começou a tentar uma linha de ação junto dos aliados, mas quando percebeu, Shinji já havia pulado do alto do edifício, em direção ao solo, e começado sua matança. Não haveria conversa. Nunca havia conversa. Os outros o seguiram e com um dar de ombros despretensioso, Kimiko também saltou. Enquanto caia um sorriso se fez em seu rosto. O traje que cada um vestia lhes emprestava força e resistência sobre-humanas. Era viciante.
<br />
<br />Quando chegou ao solo, Kimiko viu que Shinji não perdeu tempo, a lâmina mortal que ele portava retalhava com facilidade os espíritos. A velocidade com que ele executava suas manobras era desconcertante. Olhando para o lado viu os outros partirem para a ação. A precisão cirúrgica de Sasuke e Ran, enquanto disparavam em cabeças, que explodiam, tornavam a cena assustadora, a força que Seiji exercia ao atacar as criaturas, a ferocidade dos outros tudo era intenso. Aquilo a motivou e ela jogou-se na multidão de yokai, e em sua dança graciosa e destruidora, retalhava os espíritos com suas tesouras de mono lâmina, com movimentos acrobáticos e finais.
<br />
<br />A matança continuou até o momento em que um dos Yokai, um demoniozinho ágil e saltitante, começou a absorver os restos espirituais dos espíritos assassinados. O rio de restos metafísicos se movimentava em direção monstro. Ele começou a crescer, numa forma humanoide sem definição até que se consolidou num enorme Oni vermelho, com uma grande espada curvada de lâmina larga e se apoiando em uma perna, enquanto a outra ficava dobrada na altura do joelho.
<br />
<br />Cinco, seis metros de Oni era o que viam à frente, com enormes olhos amarelados, chifres pontiagudos e presas afiadas. Deram dois passos para trás, numa tentativa de entenderem melhor seu adversário.
<br />
<br />O Oni gritou enquanto empunhava a enorme lâmina! Sem perderem tempo, os Dākuhantā atacaram.
<br />
<br />Kimiko e Ran derrubaram postes de iluminação e arrancaram os fios do chão para tentarem eletrocutar o demônio. Seiji retalhava com sua espada encantada. Otawara e Jin tentavam amarrar as pernas do Oni para derrubá-lo. Sasuke e Shikamaru atiravam na coisa com tudo o que tinham.
<br />
<br />Nada parecia surtir efeito.
<br />
<br />O monstro desferiu golpes contra os que estavam mais próximos a ele. Os ciber trajes impediram a obliteração imediata dos pequenos humanos. A força da criatura era imensa, mas os trajes absorviam a maior parte da energia cinética. Mesmo após ser sucessivamente arremessada contra o solo, Kimiko ainda resistia.
<br />
<br />Por vários minutos de golpes e contra golpes o combate se desenrolou. Shinji e Seiji arremessaram um carro contra o Oni. O carro foi eletrocutado e explodiu, ferindo fortemente a criatura, que mesmo assim não parava, e começava a aproximar-se de uma área movimentada. Kimiko então saltou com as tesouras e atingiu o monstro nos olhos, rasgando fundo. Num salto de costas elevou-se ao ar e então partiu com a energia acumulada contra o chão. Usou toda a força do traje para arrebentar o asfalto e fazer o Oni cair no esgoto. Foi arrastada junto, pela criatura que segurou sua perna.
<br />
<br />Seiji e Jin pularam em seguida, atingindo fundo o crânio do monstro, que caiu morto.
<br />
<br />A vitória chegou.
<br />
<br />Quando viram melhor, Kimiko estava caída sob o monstro, que começava a se desfazer em uma sombra escura.
<br />
<br />Seu implante ocular estava fora do encaixe de seu crânio, seu braço direito em uma posição impossível. Os ferimentos internos eram muitos. Seiji fez uma análise rápida do traje e viu que a energia havia acabo quando Kimiko abriu o chão. Sasuke a pegou no colo e a levou para a clínica clandestina onde ele mesmo reparava os soldados de rua da facção Yakuza de seu pai.
<br />
<br />Ao remover o traje da jovem moça, o braço direito se desprendeu, destroçado dentro da roupa. O corpo de kimiko estava no limite. Por muitas horas Sasuke tentou de todas as formas trazer a mulher à vida. Na ante sala, os outros esperavam.
<br />
<br />As lágrimas secaram no rosto de Otawara e Jin se continha, fortalecido em um semblante estoico, mas seu coração ficava apertado à medida que o tempo passava e não havia respostas, apenas alguns gritos de raiva e frustração além das paredes, onde Sasuke trabalhava.
<br />
<br />Seiji, Shinji, e Shikamaru pensavam sobre o futuro e as consequências daquele dia. Ran tentava trazer um pouco de paz aos corações, servindo chá.
<br />
<br />Foi então que, depois de uma eternidade, a porta se abriu. Todos ficaram de pé e olharam em direção a Sasuke. Esperavam resultado. Sasuke estava ensanguentado, com um olhar cansado, seus braços estavam exaustos. O servo robô ao seu lado também estava banhado em sangue.
<br />
<br />- Ela vai viver. Fiz o que eu pude. Infelizmente ela terá de se adequar à sua nova condição. Podem vê-la pelo vidro, mas apenas rapidamente.
<br />
<br />Como na procissão dos yokai que haviam destruído a não mais de 24 horas, eles seguiram em fila. Pelo vidro viram Kimiko, com tubos em seu corpo, o suporte de vida mantendo seus órgãos funcionais, o implante ocular numa bacia suja ao lado da cama e o braço destruído sobre uma mesa.
<br />
<br />- Ela vai viver. Isso é o que importa.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-81883831543745494292018-06-18T12:48:00.002-03:002018-06-18T12:50:41.866-03:00Na Caverna do Tempo<br />
<div align="center" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Na caverna do tempo - Um conto de fantasia e guerra.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">As bombas dos Estados
Unidos não pararam de cair sobre a região montanhosa afegã de
Nangahar, na fronteira nordeste com o Paquistão. Najib não sabia
dizer se havia se passado uma semana ou mais tempo, uma vez que ele e
seus companheiros estavam aprisionados no interior dos túneis bem
abaixo da superfície.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Não havia mais
combustível para ativar o gerador, apenas algumas velas e duas
lanternas. O rádio estava inutilizado, a água e a comida eram
poucas e não havia explosivos suficientes para tentarem criar uma
rota de fuga.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Há alguns dias, a
data era 13 de abril de 2012 quando treze carros da patrulha ianque
foram destruídos, e um helicóptero de combate caiu perante o
poderio bélico dos crentes. Após a emboscada contra os americanos,
a coisa tornou-se cáustica. A sanha vingativa tomou conta do
inimigo, que despejou toneladas e mais toneladas de explosivos sobre
as cabeças dos talibãs sob as montanhas. Os seis homens restantes
estavam exaustos, famintos e sedentos.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Najib olhava os
rostos cansados de seus companheiros, jogados na terra nua, com suas
roupas em farrapos e um olhar distante, à meia luz de uma única
vela. A cada novo estrondo, a chama dançava de um lado para o outro,
tremulando incessantemente, </span><span style="font-family: "arial" , serif;">hipnótica</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
como os olhos de uma serpente. Najib lembrava-se de ter visto um
encantador de serpentes nas ruas de seu vilarejo natal. O homem
dominava a fera com os olhos e ela obedecia às suas ordens sem nunca
questionar! Aquilo o </span><span style="font-family: "arial" , serif;">fascinara
</span><span style="font-family: "arial" , serif;">por algum
tempo, até que, no início de sua adolescência, ele começou a
entender mais as palavras do clérigo local, e viu que o que o homem
fazia era herético, e que ele deveria ser punido. Najib se lembrou
de que ele mesmo </span><span style="font-family: "arial" , serif;">pedira</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
para punir o homem. </span><span style="font-family: "arial" , serif;">Sentiu-se</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
adulto naquele dia.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">A luz da vela
transformou-se de olhar de cobra em chama novamente, trazendo Najib
de sua infância distante para o presente aterrador. Era impossível
dormir com tantas explosões. Era impossível sair e lutar, pois lá
fora os inimigos não estavam próximos, não lutavam limpo, eles
estavam a quilômetros de distância com seus canhões de artilharia
e</span><span style="font-family: "arial" , serif;"> </span><span style="font-family: "arial" , serif;">a
muitos metros de altura, com seus zangões radiocontrolados.
Despejavam seu fogo mortal a todo momento. As explosões comiam
centímetro a centímetro a proteção que as montanhas lhes davam. A
cada novo impacto o teto tornava-se cada vez mais fino e perigoso.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">E foi então, depois
de tanto tempo em um medo contido e quase acolhedor, que o seu mundo
de rochas desabou num baque abrupto, estrondoso e apocalíptico.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">O teto veio </span><span style="font-family: "arial" , serif;">abaixo</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
de um instante para o outro, pondo fim ao refúgio dos soldados
talibãs. Tudo o que sentia era dor, frio e escuridão, e, a seguir,
apenas a escuridão cercada por um formigamento que se perdia aos
poucos.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Quanto tempo ficou
desacordado, Najib não tinha como saber. Num ato de clareza quase
sobre-humana ele verificou se seu corpo estava intacto, depois viu
que havia sangue em sua cabeça, mas que a dor não era proibitiva.
Tateou no escuro absoluto por qualquer coisa que pudesse identificar
e chegou a uma das lanternas. Ao iluminar seus arredores, viu que uma
viga havia criado uma proteção e </span><span style="font-family: "arial" , serif;">segurara</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
a enorme rocha que certamente o </span><span style="font-family: "arial" , serif;">teria
esmagado</span><span style="font-family: "arial" , serif;">. Não
havia espaço para ficar </span><span style="font-family: "arial" , serif;">de</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
pé, mas ele conseguiria movimentar-se de quatro. Seus ouvidos ainda
zumbiam, entretanto, ele escutava os lamentos de um ou outro de seus
companheiros.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Najib inspirou o mais
</span><span style="font-family: "arial" , serif;">fundo</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
possível e gritou os nomes de que ainda conseguia se lembrar. Nenhum
deles respondeu, e aos poucos os murmúrios </span><span style="font-family: "arial" , serif;">foram
desaparecendo</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
para sempre sob as pedras.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Quando o mais
profundo silêncio envolveu o soldado sobrevivente, o desespero se
apossou </span><span style="font-family: "arial" , serif;">dele</span><span style="font-family: "arial" , serif;">.
Ele chorou por não ter morrido no desabamento, e sabia que
sucumbiria perante a fome e </span><span style="font-family: "arial" , serif;">a</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
sede. Seus últimos momentos seriam de total desespero e solidão.
Sua fé inabalável assegurou que suas preces se direcionassem a
Deus. Ele sabia que sua alma estaria salva, pois sua vida </span><span style="font-family: "arial" , serif;">havia
sido</span><span style="font-family: "arial" , serif;"> de
devoção e ação.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Foi assim que, no
mais aterrador silêncio, uma nova explosão foi ouvida. O que
deveria selar o destino do homem tornou-se sua salvação. Um novo
abalo ocorreu e fez que pedras deslizassem próximas de Najib,
abrindo uma saída lateral. O talibã pegou a lanterna e não </span><span style="font-family: "arial" , serif;">hesitou</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
em </span><span style="font-family: "arial" , serif;">escapar </span><span style="font-family: "arial" , serif;">daquela
tumba.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Ele se arrastou por
caminhos estreitos e rezou para que dessem em um bom lugar, e não
apenas ficassem impossíveis de serem atravessados. Foi o que
aconteceu. Ele chegou a um túnel mais amplo, onde conseguia ficar
ereto. Andou rápido para longe de onde </span><span style="font-family: "arial" , serif;">iniciara</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
sua fuga, elevou o facho de luz para o teto, tentando ver se haveria
uma possibilidade imediata de desabamento. Quando dava, corria, mas
era perseguido pelo som das explosões. Amaldiçoava os infiéis, mas
guardava forças para correr e manter-se lúcido.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Depois de algumas
horas caminhando naquelas novas cavernas, levou a mão ao bolso
interno de sua camisa, pegou um mínimo pedaço de pão e o comeu,
depois lambeu a umidade das paredes para aliviar a sede que lhe
cortava a garganta. Nesse momento, as baterias da lanterna finalmente
se cansaram e o abandonaram na escuridão. Najib descansou, em uma
mistura desigual de transe, cansaço e pura resignação.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Quando abriu os olhos
novamente, esperava encontrar o breu do esquecimento ou a luz
abençoada do paraíso prometido, contudo deparou-se com algo
diferente</span><span style="font-family: "arial" , serif;"> —</span><span style="font-family: "arial" , serif;">,
uma tênue luminosidade não muito distante, que atravessava uma
fresta na parede. Najib levantou-se e foi em direção àquela luz. O
assombro o apossou, pois, do outro lado da parede da caverna, havia
uma instalação aparentemente militar. Suas mãos trabalharam rápido
para desobstruir a entrada, por onde a luz trespassava. Viu uma única
lâmpada elétrica pendendo do teto, balançando levemente de um lado
para o outro, de uma forma que lembrava como a chama da vela dançava.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Naquele novo
ambiente, o soldado viu uma máquina grande, toda de aço, com
grandes válvulas. Uma única escotilha de vidro era perceptível. Em
sua juventude, Najib </span><span style="font-family: "arial" , serif;">fora</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
alfabetizado e, além do árabe, também </span><span style="font-family: "arial" , serif;">recebera
</span><span style="font-family: "arial" , serif;">aulas de russo
e inglês, idiomas dos países que sempre tiveram interesse em sua
pátria. Najib notou as letras </span><span style="font-family: "arial" , serif;">cirílicas
</span><span style="font-family: "arial" , serif;">em alto-relevo
no aço, junto com a estrela e o símbolo da foice e do martelo. As
palavras eram traduzidas como “Câmara hiperbárica” e “Feito
na União Soviética”. No chão, havia esqueletos com uniformes
militares do exército vermelho, mortos há muito tempo. Aquele lugar
era do período do controle soviético sobre o Afeganistão, uma
relíquia de outras guerras.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Ao lado do corpo de
um soldado soviético Najib viu alguns papéis: “o objeto gera uma
energia capaz de desativar as armas inimigas, contudo ainda não
conseguimos entendê-lo nem utilizá-lo de forma plena. Pode ser que
tenha alguma relação com sua religião, mas não podemos arriscar
colocar um deles aqui. Não sabemos o que aconteceria”. </span>
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Najib olhou através
da escotilha. Lá havia algo diferente, um leve brilho que o seduziu.
Ele abriu a câmara, que fez o característico som de ar penetrando
nos orifícios. De dentro da máquina ele retirou uma antiga lâmpada
a óleo, e riu de medo e surpresa. Pensar em uma lâmpada velha, de
cobre, antiga, dentro de uma casamata soviética nas montanhas afegãs
era surreal até mesmo para o homem que </span><span style="font-family: "arial" , serif;">acabara</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
de escapar da morte.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Angustiado com o
objeto nas mãos, o talibã pegou a fralda de sua camisa suja e
esfregou na lâmpada. Era um ato infantil. Uma brincadeira. Tudo
baseado em histórias que sua mãe lhe contava quando era tão
pequeno quanto conseguia se lembrar.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">Ele atirou a lâmpada
contra a parede quando dela saiu uma fumaça esverdeada. Najib se
colocou contra a parede oposta e segurou uma pistola em sua mão. O
impensável ocorreu. Ele finalmente estava louco, pois à sua frente
havia um grande homem negro como a própria escuridão, de olhos de
fogo, com o rosto repleto de cicatrizes rituais e uma postura altiva.
Em seus antebraços havia braceletes longos e repletos de motivos
decorativos, feitos em ouro e ornamentados com pedras preciosas.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">O soldado agiu como
deveria</span><span style="font-family: "arial" , serif;">:</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
levantou a pistola e direcionou-a à aparição sobrenatural.
Disparou continuamente, até que não houvesse mais munição em sua
arma. O </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
negro estava ileso e olhou para o homem, suas feições demonstravam
um pouco de descontentamento.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Najib estava trêmulo.
Ele fora bombardeado por dias, sem descanso. Seus momentos de repouso
foram quando o teto desabou ou quando o corpo se entregou, pouco
tempo antes de entrar na sala, mas foi a visão daquela entidade que
abalou seu coração. Em seu íntimo, no fundo </span><span style="font-family: "arial" , serif;">de</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
sua alma imortal, ele sabia que teria de decidir entre sua fé e o
que acreditava que via. Aquilo o deixava próximo de um ataque
nervoso. O homem negro </span><span style="font-family: "arial" , serif;">saído</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
de uma lâmpada sorriu ternamente para o talibã atormentado à sua
frente.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Acalme-se, meu
senhor. Você me libertou de minha prisão. Quero que saiba que estou
aqui para ajudá-lo. </span><span style="font-family: "arial" , serif;">—</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
A voz do </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
apaziguou a mente de Najib, </span><span style="font-family: "arial" , serif;">fazendo-o
</span><span style="font-family: "arial" , serif;"> lembrar-se de
seu avô, um homem sorridente, contador de histórias e conhecedor de
muitas coisas no mundo. As lágrimas de desespero e dor deram lugar a
uma lágrima de saudades.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="_GoBack"></a>
<span style="font-family: "arial" , serif;">Com uma lufada de
vento fresco e reconfortante, uma nuvem esverdeada preencheu o
laboratório. O </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
</span><span style="font-family: "arial" , serif;">caminhou</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
em direção </span><span style="font-family: "arial" , serif;">ao</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
soldado e segurou suas mãos. A paisagem ao redor mudou. Najib via
uma feira estranha e ao mesmo tempo familiar, pessoas vendiam os mais
variados produtos e falavam uma língua que era árabe, mas também
outra coisa, como se o sotaque e várias palavras ou ainda não
existissem ou </span><span style="font-family: "arial" , serif;">tivessem sido</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
esquecidas.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">O </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
guiou Najib até o meio da praça, o sol da primavera era carinhoso e
o vento trazia cheiros de especiarias de lugares distantes. No poço,
no centro de tudo, o negro ofertou água ao soldado. Najib estava
sedento. Bebeu. Satisfez-se. Uma mulher alta, com roupas coloridas e
um véu quase aceitável lhe trouxe frutas, pão e um carneiro. Najib
sorriu. Lavou as mãos, o rosto, olhou-se no espelho d’água,
estava limpo e com roupas que lembravam </span><span style="font-family: "arial" , serif;">as</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
das pessoas daquele lugar, mas possuíam um porte militar. Comeu.
Saciou-se. Depois de vários momentos de incertezas, atreveu-se a
falar com o </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Obrigado por ter
me tirado daquele lugar. Eu estaria morto se não fosse você.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Não te tirei de
lá ainda. Estamos apenas em um meio lugar, onde você pode se
alimentar</span><span style="font-family: "arial" , serif;">,</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
saciar sua sede e se vestir como um homem de posses. Daqui a pouco,
retornaremos à mesma caverna onde estávamos e você deverá tomar
uma decisão. Deverá fazer um desejo. Coma. Beba. Acalme-se.
Descanse.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Você pode matar
todos os meus inimigos e acabar com a guerra? Pode nos fazer vencer?</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Não. Não posso
matar nem devo forçar o amor ou a dor, mas posso fazer muitas
maravilhas. Seu coração revela que não há outra coisa que queira
mais em vida do que o fim desta guerra. Sua vontade é férrea e suas
intenções são boas. Não julgarei seus motivos, pois sou um servo
e não um juiz. Não posso matar, mas você pode.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">O mercado primaveril
deu lugar novamente à caverna. O </span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
estava em pé, próximo da lâmpada e Najib encontrava-se do outro
lado do laboratório, bem-vestido, sem sede ou fome. Ele lembrou-se
de sua cidade em ruínas, do barulho das explosões, dos soldados
invadindo casas, do voo mortal dos zangões, de sua família
destruída. Lembrou-se da raiva e do poder que o fuzil lhe
emprestava. Lembrou-se das palavras do profeta. Seu coração
endureceu.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Eu desejo, servo,
ser a ferramenta que acabará com esta guerra. Eu desejo ser capaz de
matar e acabar com todo esse sofrimento!</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Que assim seja,
mestre. Seja o instrumento da morte. Não deixe sobreviventes, senão
nada mudará. Tudo tem um preço e a morte se paga com a morte.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;">
— <span style="font-family: "arial" , serif;">Eu aceito.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Pela última vez, o
laboratório foi tomado por uma fumaça esverdeada. A lâmpada apagou
plenamente e o som distante das explosões do bombardeio </span><span style="font-family: "arial" , serif;">cessou</span><span style="font-family: "arial" , serif;">.
Najib se viu em uma caverna bem decorada com belos tapetes. O
calendário sobre a mesa de madeira mostrava o mês de agosto de
1993, mesma data dos jornais sobre uma escrivaninha. Ao seu lado, via
homens armados, todos falavam com um forte sotaque saudita, estavam
próximos, mas não o viam.</span></span></div>
<div class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3; font-family: "arial" , serif;">O talibã olhou
adiante e reconheceu imediatamente um homem de aparência frágil e
fala forte, um líder. Se ele não tivesse visto uma entidade
sobrenatural pouco antes, não acreditaria que estava em frente a
Osama Bin Laden. Ao lado de Bin Laden estava um outro homem,
certamente americano, avermelhado, com uma pasta em mãos. Em inglês,
os documentos mostravam o texto “Projeto Duas Torres”.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><br />
</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: #f3f3f3;"><span style="font-family: "arial" , serif;">Najib sabia onde
estava e sabia o que deveria fazer. Levou os dedos à arma em sua
cintura. Ela estava totalmente municiada. Do outro lado da sala, o
</span><span style="font-family: "arial" , serif;"><i>ifrit</i></span><span style="font-family: "arial" , serif;">
despediu-se com </span><span style="font-family: "arial" , serif;">uma</span><span style="font-family: "arial" , serif;">
grande reverência e desapareceu nas areias do tempo e do deserto.</span></span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-7328498361382571252016-09-05T10:45:00.003-03:002016-09-05T10:45:55.552-03:00A Vergonha de Jonas - um conto de Mago o Despertar<A algum tempo escrevi um conto para o concurso Eu, Criatura, da Devir.Era um concurso onde escrevíamos um conto, em primeira pessoa, sobre uma criatura baseada no mundo das trevas da White Wolf.<br /><br />Fiquei em segundo lugar com o conto "A vergonha de Jonas", a história sobre um mago que teve problemas familiares e deve enfrentar seus demônios internos para tentar recuperar o tempo perdido.><br /><br />A Vergonha de Jonas<br /><br />Um conto de Mago o Despertar<br /><br />Finalmente estou próximo de casa. Meus braços estão cansados de carregar os três sacos de papel abarrotados de ingredientes importantes para o ritual de hoje. Eu ando pela calçada suja que sempre me surpreende com seus padrões de rachaduras e reverberações ocultas. A rua, como sempre, está repleta de mendigos, tomada pelos mesmos fedores com os quais já estou acostumado, mas morar aqui não é tão ruim quanto muitos imaginam: sempre há algo interessante para fazer ou observar. Tão logo chego à porta que dá para a escadaria que leva ao meu apartamento, um dos mendigos estende a mão em busca de uma ajuda. Vejo a influência direta dos espíritos sobre ele. Quem sabe, mais tarde, eu possa até tentar fazer algo, mas por enquanto lhe dou apenas uma moeda, para ver se ele me ignora.<br /><br />Enquanto subo as escadas, recito o feitiço para destrancar a maldição que protege nosso lar e entro no apartamento. Vejo a sala bagunçada, como sempre. Há papéis posicionados de forma estrategicamente desordenada, e as almofadas estão todas juntas no sofá mais próximo do aparelho de televisão. Certamente um dos outros estava assistindo àquele filme horrível que passou hoje mais cedo. Ponho os sacos de lado, por sobre a mesa redonda de madeira, entre uma pilha de livros de filosofia e a estatueta de cobre que contém um fragmento abissal que eu e minha cabala prendemos para estudo posterior.<br /><br />Eu olho ao redor para verificar se estou realmente sozinho. Realizo um feitiço simples, de localização, para tentar saber se há alguma entidade diferente no recinto. Não percebo nada além de um pequeno espírito rato que serve a Dekla, um de meus associados. O espírito, que Dekla chama de Artur, desliza intangível entre três grandes jarros de porcelana contendo águas do monte Sião, da serra da Canastra e da ilha de Páscoa.<br /><br />A imagem de Shiva, que está na parede ao lado da estante com bonecos de vidro, me observa enquanto me movimento, mas é apenas um feitiço conjurado por Vima Maris, minha outra associada. Ela diz que aquilo é uma bela “expressão artística”… Eu discordo. O quadro com cachorros jogando sinuca, que fica bem ao lado, é um toque meu. Aquilo sim é arte.<br /><br />Normalmente, um ritual como o que farei deveria ser executado junto com os outros membros de minha casa, mas várias coisas me impedem de fazê-lo com eles, principalmente a vergonha de expor meus segredos mais ocultos a meus amigos. Eu devo encarar a vergonha sozinho, devo enfrentá-la e, preferencialmente, tomá-la minha serva.<br /><br />Sempre ouvi falar dos magos que praticavam a goécia, um conjunto de preceitos que permitem ao conjurador arcano externar e encarar seus demônios internos, seus pecados, seus erros, e esse tipo de coisa ruim que ninguém quer que os outros saibam. Muitos comentam que os magos que conseguem esse feito tomam-se mais eficazes, entretanto outros dizem que apenas conseguimos ver o que realmente deveria ficar escondido do mundo e de nós mesmos.<br /><br />Só que não posso mais evitar. Depois de tanto tempo, precisa. rei enfrentar um erro que cometi no passado. Preciso enfrentar minha maior vergonha.<br /><br />Descanso algum tempo para recuperar minhas forças e minha coragem. É hora de me preparar para o ritual. Tomo um banho demorado. Meu corpo precisa estar limpo externamente para não influenciar as ressonâncias místicas do sagrado local de trabalho arcano que temos em casa.<br /><br />Raspo a cabeça até não haver nem sequer um pelo. Passo o óleo que comprei para o ritual. O odor de casca de árvore recém-cortada preenche o lugar. Visto a túnica vermelha previamente preparada com os símbolos de minha cabala e me dirijo ao Sacrário.<br /><br />Desenho o pentagrama de Atlântida e todos os outros símbolos de que necessito no chão extremamente limpo daquele lugar sagrado. Eu sei que já o desenhei uma centena de vezes antes, entretanto busco fazê-lo com o maior capricho possível. Ponho uma representação de cada parte da vergonha que sinto em cada uma das pontas. Meu corpo treme de nervosismo. Posiciono-me ao centro e ergo os braços, com uma faca na mão direita e a máscara ritual na esquerda: a vontade e a passividade, o ato e o modo. Abro minha boca, seca de tamanha inquietude, e dela saem poderes. A suprema língua falada na antiga Atlântida percorre o ar e atinge o universo com a força de minha vontade, com o sopro de meu conhecimento, com o influxo de meu desejo. Eu rasgo o tecido da realidade com uma arrogância que sei que deverei rever em tempos que ainda virão. Meus olhos vislumbram os medos que sinto de mim mesmo, enquanto percorro lugares sombrios de minha mente, onde meus demônios se escondem. Grito meu falso nome, o nome que me esconde do universo e das vontades dos outros, e então sussurro meu nome verdadeiro. Uma isca para quem eu quero capturar e enfrentar. Eu digo a data do acontecido e percorro nulidades brutais de feitiços de proteção que nem mesmo eu sabia que havia conjurado. Vejo os padrões ressoarem como água suja e o fedor do medo do desconhecido. As cores que passeiam variam entre o absurdo e o retórico.<br /><br />E então a vejo, face a face. O demônio possui as expressões de minha filha em metade de sua carranca e a semelhança a mim mesmo na outra metade, costuradas com pontos grosseiros por um cirurgião agourento. Seu corpo lembra roupas rasgadas, vestidos infantis e algodão velho, que se misturam a uma nuvem de mentiras amareladas em forma de pequenas raízes.<br /><br />Eu conheço cada parte desse meu demônio de vergonha. Eu sei por que cada detalhe se mostra com essas formas, e é justamente por saber disso que não consigo olhar diretamente para minha própria criação.<br /><br />Ela vem em minha direção, com seu movimento desconcertante, que me faz ter ânsia de vômito. A metade da face que se assemelha a Vanessa me encara de maneira acusadora. Baixo imediatamente o olhar. Ela grita com a voz esganiçada de uma menina que nem sequer conheci e pergunta aos berros o porquê do abandono. Ela me pergunta por que eu a abandonei ainda no início de sua vida. Ela cospe as verdades que rasgam minha cara, que começa a sangrar como se milhares de pequenas feridas explodissem de súbito. Eu não tenho resposta para dar, todavia estendo a mão e mostro minha intenção de chamá-la para o mundo onde vivo.<br /><br />Ela pergunta por que faria isso, enquanto me xinga e me humilha com coisas que sei que são verdades. Eu respondo que não posso mais guardá-la dentro de mim, pois algo estranho aconteceu há poucos dias, e que, se eu mantiver a vergonha de ter abandonado uma filha, talvez ela não mais possa ser encontrada, nunca mais. Não com vida ou, pior ainda, não na forma que ela poderia assumir em todo o seu esplendor.<br /><br />O demônio de minha vergonha gargalha de uma maneira que me faz desejar chorar. No mesmo instante, fico pálido, sinto frio, e é como se minha respiração desaparecesse. A sensação é a da proximidade da morte, mas é apenas meu demônio me tentando. Ele faz transbordar em mim um sofrimento agudo, um arrependimento, com uma agonia que lacera minha vontade. Ele gargalha e grita um sonoro “sim”, mostrando a mão rasgada e amarelada, segurando a minha com força.<br /><br />Eu o puxo para a realidade e forneço as âncoras que o suportarão nesta existência.<br /><br />Ao fim do ritual, quando volto a mim, minha vergonha está a minha frente, como um fantasma do passado. Sinto-me aliviado por saber que não a tenho mais em meu interior. Eu olho para ela e sorrio de forma traiçoeira, apesar do desgosto que sinto em saber que ela existe. Aponto o solo e ela se dá conta de que está contida em um círculo de restrição. O demônio de minha vergonha esbraveja suas ofensas enquanto o poder reescreve o mundo ao seu redor. Eu o aprisiono em um livro sem texto que fabriquei com minhas próprias mãos dias atrás. Ele me amaldiçoa ao tentar se libertar das amarras que o controlam. Eu fiz meu dever de casa e parece que funcionou.<br /><br />Agora tenho coragem suficiente para ir atrás de Vanessa e tentar convencê-la a entrar para a ordem de seu pai. Um pai que ela nem sabe que existe.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-26463408766826514832016-09-02T15:04:00.000-03:002016-09-02T15:04:30.305-03:00Ordem em ProgressoOrdem em Progresso, um conto num futuro entre o distópico e o utópico<br />Fabio L. Ribeiro<br /><br /><br />Todos sabem como começou, com uma fagulha viva na pólvora seca.<br />Um grande estrondo social logo irrompeu.<br /><br />A queda da antiga presidente da república, flagrada em atos contra a ordem social e o ninho de cobras que eram os parlamentares, o executivo e o judiciário que a destituíram, tornavam as ações seguintes totalmente obrigatórias.<br /><br />Nas ruas o caos imperava. sangue, violência, baderna, passeatas, gente gritando palavras de “ordem”, revoltas, tudo isso era lugar-comum no caos daqueles dias.<br /><br />A polícia não conseguia conter o alvoroço, muitos membros do efetivo estavam exaustos e machucados, haviam leis que os impediam de agir de forma mais esfuziante para dispersar aquela turba, eles estavam à beira do colapso.<br /><br />Foi quando o governo estadual convocou o exército para executar a tarefa de colocar paz à guerra urbana, de trazer Ordem ao caos.<br /><br />Naquele dia o líder nasceu. Ele mesmo entregou um aparelho celular para que o filmassem enquanto motivava suas tropas, enquanto passava a missão aos seus comandados, homens jovens e obedientes que tinham em seu coração a certeza de que o que viria era necessário. As palavras ecoaram forte nos ouvidos dos soldados, cabos, sargentos, tenentes e do major ali presentes. Nunca, em todas as suas vidas, eles ouviram palavras tão sinceras, tão destituídas de máscaras, tão diretas quanto aquelas. Inicialmente sentiram medo, vários quase tentaram impedir o líder de continuar, mas ele sempre apontava para a câmera que o filmava, mostrava que nada o impediria de assumir toda a responsabilidade, que tudo o que eles fizessem em nome da ordem, seria feio, seria brutal, mas ele arcaria com as consequências, o ônus recairia sobre quem os comandava e não sobre eles mesmos. Eles, pela primeira vez na vida, se sentiram realmente comandados em direção a algo grandioso.<br /><br />Entre muitas palavras e curtas pausas ainda guardou-se algo do que foi dito naquela noite.<br /><br />“Não tenham medo! Matem mesmo! Se estiver na rua fazendo baderna, é para matar! E se não matar, aleija! Ninguém aqui será punido por isso. Eu estou filmando esse discurso porque assumirei sozinho as consequências! Eu serei julgado, não vocês! Matem. Vagabundo tem que morrer! Eles são a escória da humanidade! Não tenham pena! Não importa se é mulher, criança ou velho é para atirar na cara, para bater até não sobrar nada. Neste dia seremos lembrados como heróis por muitos e vilões por alguns, mas faremos nosso dever, nossa obrigação como homens da pátria! Mataremos mais comunistas HOJE do que Stalin matou em toda sua vida! Vão e limpem as ruas! Não tenham pena! Bashar al-Assad será visto como pacifista após esta noite!”<br /><br />O discurso foi categórico, forte e eficiente. O saldo foi de mais de mil mortos e um sem número de feridos gravemente.<br /><br />Foi como ele previu, a mídia internacional foi inclemente, taxando-o dos piores nomes do nosso século, um novo Hitler, um novo Slobodan Milošević, mas ele não se importava com esses rótulos. Nenhum dos membros dessas mídias morava ou entendia realmente o Brasil. Nenhum deles sabia como era andar com medo pelas ruas. Nenhum deles via o desespero do trabalhador, que muitas vezes era impedido de chegar ao trabalho, seja por vandalismo, manifestações ou greves. O trabalhador não conseguia chegar ao seu serviço e ganhar seu pão, seu sustento, morria de fome por isso. “Deixem que falem, nós vivemos enquanto eles vociferam” eram suas palavras.<br /><br />As pessoas não queriam um presidente, não queriam um governo, as pessoas precisavam de um líder e ele foi esse líder, justamente pelo sangue que ele assumiu o dever de derramar para pavimentar o futuro do Brasil.<br /><br />Os historiadores dividem nossa história recente em ondas da revolução.<br /><br />A primeira onda foi o massacre da avenida Paulista. Com o vídeo do discurso do líder circulando em alta definição pela internet. A ideia era demonizá-lo, mas o efeito foi o contrário, ele recebeu apoio irrestrito da maior parte da população, senão quase todos, incluindo políticos influentes na época, visionários de um país onde o caos precisava ser extirpado, mutilado de uma vez por todas para que a ordem e o progresso assumissem definitivamente seu lugar na história.<br /><br />A segunda onda foram os momentos após o julgamento do líder, condenado a 80 anos de prisão e destituído de sua patente pelo tribunal, seria um mero civil. Foi no momento da leitura da pena, transmitida a todo o país em rede nacional, que as forças armadas, em uma manobra precisa, tomaram o controle das instituições. O julgamento foi imediatamente anulado e o líder marchou em uma parada militar pela mesma avenida paulista que viu a primeira onda, muitos protestos se seguiram, abafados com a força necessária.<br /><br />A terceira onda era inevitável, o outorgamento da nova constituição, que foi seguida imediatamente com uma caçada aos agentes opositores do governo, uma releitura essencial dos anos sessenta e setenta do século XX. Após o outorgamento, por unanimidade do conselho de segurança do Brasil, foi aprovado o Ato Institucional número 5, em homenagem ao seu predecessor. O ato revogava direitos civis e transferia todo o poder às forças armadas definitivamente. Era um ato necessário para organizar o caos em que se encontrava o país. Foram criados os grandes filtros de conteúdo de internet, houve a volta da censura prévia, mas, excetuando os desvios à esquerda, quase nada era bloqueado ou proibido. O cidadão começava a ter a liberdade de acessar conteúdo de qualidade. Era um pequeno prenúncio da oitava onda.<br /><br />A quarta onda foi uma batalha que preocupou o líder, pois ele sabia que seria necessária, mas geraria desconforto em grande parte dos homens que o apoiaram. Foi a revogação total do direito do cidadão comum de possuir armas. Muitos debatiam a validade daquele ato, se ele não estava em desacordo com o período em que se encontravam, se era realmente útil, se era viável, se o cidadão de bem tem o direito de se defender do mau externo, mas o líder convenceu o Conselho de Segurança do Brasil a aceitar a norma contra a posse de armas, após longas e duras reuniões. Logo em seguida foi assinado o decreto em que qualquer pessoa, que não fosse militar, que estivesse armado, era efetivamente um bandido e seria executado pelo governo, em nome da ordem.<br /><br />A quinta onda foi a caçada impiedosa aos marginais que assolavam a nação. Não houve julgamentos e os justiçamentos pela população comum era proibida, pois a vida do indivíduo pertencia ao Estado. O homem de bem não deve sujar as mãos e deve crer que o Estado o protegerá. E assim era feito. Ao chamado de qualquer crime, as forças armadas iam até o local e não descansavam até encontrarem o meliante, que era executado em frente aos ofendidos. Houve problemas, houve alguns erros, mas eram números muito baixos em relação à quantidade de acertos e a efetiva resolução de problemas. Não havia apelação, não havia crime menor, não havia fuga, havia justiça. Em menos de quatro anos as taxas de criminalidade eram as menores já registradas.<br /><br />A sexta onda foi a invasão de dissolução das favelas e comunidades precárias ao redor de todo o país, as forças armadas invadiam e removiam os marginais, não havia outra autoridade a quem recorrerem, os comunistas e membros dos direitos humanos, movimentos feministas ou qualquer organização à esquerda já não atrapalhavam mais o trabalho dos homens da lei. Claro que também houve muitos confrontos nesse momento, mas por alguma razão, talvez por já terem percebido como seria a nova ordem, foram bem menos frequentes do que se poderia imaginar. As mães entregavam seus filhos de duas maneiras para o Estado, ou para serem executados por seus crimes ou para irem para as escolas, no maior levante educacional que o país já teve. 99,9% das crianças em idade escolar estavam matriculadas e frequentavam o colégio.<br /><br />A sétima onda deu-se nas grandes cidades. Os mendigos foram removidos das ruas e levados para o campo, onde estudavam e produziam alimentos em fazendas comunitárias, que vendiam seu excedente para das cidades e para as empresas de beneficiamento. Não havia mais vadios nas ruas, não havia o fedor que chamava mais fedor. Praticamente todos estavam empregados ou estudavam em busca de melhorias pessoais para conseguir um emprego. As cadeias foram sendo extintas aos poucos nesse período, com a sanitização dos presídios. Os condenados por crimes contra a vida, assaltos maiores, estupros, outros delitos correlatos e os reincidentes foram exterminados sumariamente, eliminados da sociedade como se extirpa um pedaço podre com uma faca quente. Os condenados por crimes menores foram soltos aos poucos, após uma breve ressocialização e buscaram não retornar à vida do crime, pois não haveria uma terceira chance, mesmo para crimes menores. Muitos estrangeiros mudaram do Brasil, fugindo da mão da ordem e da nova lei, o governo não os impediu, que lá fora tratassem desses marginais, seriam gastos menores com munição e cremação.<br /><br />A oitava onda deu-se na cultura. Após a organização social era hora de organizar o futuro. Sanitizou-se a música, o teatro, a televisão, a internet. Ritmos e movimentos de esquerda foram extintos no país. A televisão era obrigada por lei a ter pelo menos 6 horas de sua programação, em horário viável e com telespectadores, com conteúdo cultural avançado, sancionado pelo órgão de cultura das forças armadas. O Brasil finalmente seria um país avançado nas áreas educacionais, sociais e culturais, seguindo os moldes do melhor que havia na Europa. Concertos abertos ao público, teatro, aulas de dança, música erudita, o crescimento das casas de samba, com grandes nomes surgindo no samba exaltação, escolas de línguas, ciências, tecnologias e ordem social em cada esquina. As religiões convivendo lado a lado, de maneira pacífica, um único canal, em alta definição, passava programas em horários variados, de várias religiões, para que todas tivessem chance de tocar os corações de seus fiéis. Ao contrário do que muitas mídias de países externos pensam, as execuções dos bandidos não foram feitas às escondidas, e sim televisionadas e transmitidas ao vivo pela NBR, com a devida censura e borrões, para não ofender estômagos mais fracos. Os nomes dos executados são públicos e encontram-se na página do Órgão de Controle de Social das Forças Armadas (www.ocs.fa.br/condenados/execucao/).<br /><br />A nona onda foi em direção ao interior. Com a administração eficiente das forças armadas, os recursos advindos dos impostos eram empregados em prol das populações. Várias cidades foram remanejadas e organizadas em locais melhores, com empregos. As empresas multinacionais que agora vinham para um Brasil organizado e repleto de bons e instruídos trabalhadores, eram obrigadas por lei a se instalarem em locais mais distantes dos grandes centros, levando economia forte para agreste e áreas selvagens. As pequenas cidades ficaram limpas e com boas casas, como as vistas nas cidades de interior dos Estados Unidos e Europa. Eramos agora um país realmente civilizado. Sem a esquerda a atormentar os jovens, sem músicas ofensivas ao homem de bem, sem o medo do assaltante, sem passar a mão na cabeça de bandido.<br /><br />Houve um crescimento vigoroso no IDH. Os aposentados eram bem cuidados. As pessoas ganharam as ruas pacificadas e ordeiras. Todos obedeciam às leis. Quem não obedecia era executado. O cidadão de bem venceu a guerra contra os comunistas e os marginais. A civilidade prevaleceu.<br /><br />É sabido que atualmente não há mais mendigos nas ruas. Temos uma taxa de emprego de mais de 97%. A taxa de homicídios e a a menor já registrado em toda a história do Brasil, os aposentados vivem bem, o trabalhador sai de casa sem preocupações, pois paga suas contas e sabe que voltará sem incidentes para seu lar, com sua esposa a lhe esperar.<br /><br />Segundo os números oficiais aproximadamente dois milhões de dissidentes morreram no período que compreendeu o início da primeira e o final da nona onda, pouco menos de 1% da população da época, um número que salvou 99% dos cidadãos de bem daquele caos que os devorava lentamente e que culminaria na extinção do Brasil como país.<br /><br />Entretanto as cabeças dos países periféricos preocuparam-se além da conta e desnecessariamente com a escalada armamentista brasileira. Era óbvio que o crescimento em gastos bélicos era apenas reflexo do novo modelo de gestão, sendo utilizado única e exclusivamente para a manutenção do status quo do povo brasileiro. Com a retirada dos embaixadores da Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela e Chile do Brasil, iniciou-se o que já estão chamando de décima onda, e não deixaremos, por Deus, que esses periféricos controlem nossos caminhos e a paz interna que conseguimos com tanta dificuldade e sangue. Se a guerra é a trilha que devemos seguir para manter nossa estrutura social, então a guerra seguiremos com fervor pela Família, por Deus, pela Liberdade e pelo País!<br /><br />Agora me sigam, alunos, que mostrarei os novos aviões de caça que chegaram há pouco tempo da Rússia para mostrarmos aos nossos vizinhos sul-americanos que somos o país mais rico e forte abaixo do trópico de câncer.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-65276064264266122002015-08-13T13:28:00.001-03:002015-08-13T13:29:35.790-03:00O Menino Que Viu O Futuro<p dir="ltr">O Menino Que Viu O <u>Futuro</u></p>
<p dir="ltr">O menino caminhava lentamente pela rua que agora mostrava os primeiros sentidos em direção a um ligeiro frio que o inverno tropical traria. Ele tinha a preocupação das crianças, a preocupação de aproveitar o dia. Quando uma lufada de vento veio com mais intensidade, fazendo-o ter um pequeno calafrio, ele parou por apenas um instante e de súbito quebrou a inércia. Pé ante pé ele começou seu movimento como um bailarino, com os braços esticados, tocando o espaço ao seu redor, tentando sentir o mundo muito além de si mesmo. Era sempre uma brincadeira que acabava por se revelar muito mais intensa do que as pessoas que o observavam poderiam imaginar. </p>
<p dir="ltr">Para ele o som dos seus passos era mais perceptível do que o som dos carros e da vida na grande cidade.</p>
<p dir="ltr">O calor do sol, aplacado pelo vento que soprava, era tão vivo quanto os animais, as plantas e as pessoas.</p>
<p dir="ltr">Ele arrastou os pés no chão, de maneira suave, circular, com a precisão daqueles que sabem exatamente o que desejam. Durante esse arrastar sua mente desenhava figuras de sonhos que teve na noite anterior. Os movimentos em si eram delicados e seguiam uma música urbana que apenas o rapazinho escutava, eram notas de passado, presente e futuro, que se misturavam em uma canção de vida e tempo.</p>
<p dir="ltr">Próximo da calçada pela qual ele praticamente dançava, em rodopios grandes, havia pequenos espaços com terra nua e nela ele se perdia em jogos sem censuras. Deitou-se no solo úmido e sentiu a grama tocar-lhe o corpo. Viu então, dentro de si, o fim do tempo. Lá era um lugar distante e frio. Não era exatamente triste, mas era muito solitário. Sentiu-se tão só que não queria estar mais naquele lugar, e voltou um pouco, para antes do fim. E lá Ele olhou para cima, notou que algo era diferente, ouviu um sutil rachar, um barulho discreto e sentiu um firmamento de vidro se romper em milhões de fragmentos translúcidos e sorriu. <br>
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Os pedaços vieram ao solo como estrelas cadentes, queimando ao se aproximarem do menino. Seus braços se estenderam ainda mais e começou uma imensa gargalhada. Não dele, mas do mundo, que se divertia com os sentidos da criança. </p>
<p dir="ltr">Era uma dádiva que a ele pertencia, ver e tocar as coisas feitas de sonhos, sair de si mesmo e olhar a verdadeira face da criação. </p>
<p dir="ltr">Voltou mais ainda no tempo, com sua dança onírica, e viu as pessoas apressadas, com seus sons fugidios e peles ásperas pelo toque constante do sol. A moça de cheiros adocicados e respiração compassada se aproximou e o atravessou enquanto ele dançava. O homem de odor pungente e passos pesados carregava folhas de papel em um maço pesado. O homem a moça se encontraram de súbito, pois mesmo olhando para frente, nenhum dos dois realmente notava nada ao redor. Daquele encontro nasceu uma respiração forte e ambos se compuseram, antes que seus pensamentos o traíssem ainda mais. </p>
<p dir="ltr">Os braços do menino agora formavam desenhos mais complexos no espaço e ele voltou ainda mais e sentiu a escassez, ouviu a abundância, a fartura e a falta, todos eles em ciclos cada vez mais longos de meses, anos, séculos. </p>
<p dir="ltr">E por último, ao final de sua brincadeira, voltou a si. Parou sua dança feérica. Pôs-se a andar novamente em direção do futuro, mas desta vez apenas um passo por vez, como todos os outros, havia sido divertido. </p>
<p dir="ltr">Em sua mente as cores dos seus sonhos marcariam sua vida e seus pensamentos, ele era feliz, entretanto seu céu real seria eternamente preto, pois a cegueira de sua carne era tão concreta quanto possível e ele jamais haveria de conhecer a luz. Contudo em sua imaginação ele via um futuro promissor aonde todos os homens seriam reis e seriam livres, e nos períodos mais críticos e difíceis seriam fortes e sobreviveriam, mas para isso precisaram ser como ele, e deveriam cantar e dançar a música do mundo. </p>
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-31980757002215332732014-02-03T14:22:00.005-02:002021-11-12T18:24:38.999-03:00As damas Técnicas - um conto de fantasia e tecnologia<br /><div style="text-align: justify;">
As Damas Técnicas<br /><br />O sonho foi calmo e a respiração mostrava que havia paz naquele sono. Mesmo com a face característica dos que dormem era possível observar um ligeiro sorriso, bem no canto da boca de Dama Jéssica.<br /><br />Havia um equilíbrio nos sutis movimentos que suas pernas desenhavam. A maciez de sua pele gerava um som agradável de encontro com os tecidos delicados de suas roupas de cama.<br /><br />Era bom saber que nada iria atrapalhar aquela mulher enquanto ela dormia, nem mesmo os sons do início do dia a perturbariam em seu quarto.<br /><br />O tempo passou na quantidade correta, o que permitiu a Jéssica recuperar suas forças, suas energias. Seus olhos então se abriram e com uma preguiça típica daqueles que não devem nada, ela esticou os braços e ronronou enquanto pedia delicadamente para o sono se afastar.<br /><br />Não fez menção de se compor ainda, apenas ficou ali, deitada, contente com tudo o que possuía, com todo o seu histórico, com tudo o que havia acontecido.<br /><br />Sua mente vagava pelos deliciosos momentos que completaram o coroamento de sua existência na noite anterior. Seu corpo se lembrava de todas as carícias que recebeu fazendo-a atingir, várias vezes, prazeres que reforçavam ainda mais sua condição feminina.<br /><br />Espreguiçou-se como uma felina e soltou pequenos sons que demonstravam o quanto havia dormido bem. E então, com o início real de seu despertar, as cortinas que separavam seu quarto do quarto das amas se abriram e antes mesmo que seus primeiros movimentos terminassem Inês e Inátia estavam ao seu lado, prontas para limparem-na e alimentarem-na.<br /><br />Ambas ajudaram a levantá-la e conduziram-na para a banheira, da mais pura porcelana, vinda das terras muito além dos vales de Aurora. Ela apenas permitia se levar e iniciou as liturgias matinais, conforme sua posição, títulos e graças.<br /><br />- A senhora dormiu bem e bastante após a saída de Dom Hector. - Inês deixava que uma linha de água perfumada caísse sobre o corpo de Dama Jéssica, por entre seus seios firmes, sua barriga firme e bela, devido à rotina de exercícios diários, e por sua vagina fértil, desprovida de pêlos e satisfeita com os dotes de recebidos.<br /><br />Jéssica sorriu mais uma vez, enquanto desfrutava daquele momento. - Sim, eu estava cansada e satisfeita, sempre que ele me visita me sinto mais leve. Tenho certeza de que são aquelas mãos . Ah, tenham cuidado que ainda estou sensível.<br /><br />- Sim senhora. - disseram as amas, enquanto continuavam com seu trabalho.<br /><br />Após o demorado banho e um farto e balanceado desjejum Jéssica caminhou em direção ao quarto de engenharia de mecanismos. O caminhar da Dama era preciso, com insinuâncias em suas curvas que respiravam sensualidade e determinação. Seus pés descalços tocavam suavemente a pedra lisa e lustrada dos salões por onde desfilava. O Castelo do Jardim encontrava-se particularmente cheio naquele dia, com um sem número de visitantes de várias partes do Império. Eram Damas e Dons, campeões, arautos, pajens, daminhas, várias comitivas e principalmente os guerreiros e guerreiras dispostos e intensos, a maior partes deles já vestidos, conforme os rituais pediam, esperavam do lado de fora, enquanto os outros ainda nus, assim como Jéssica, vestida apenas com suas joias exóticas e leves adornos, aproveitavam calmamente os prazeres que a vida lhes presenteava.<br /><br />A música que ecoava pelo ambiente enchia de júbilo o coração dos presentes. Ela era grandiloquente, escolhida com precisão matemática e sensibilidade para harmonizar aquele dia importante. A canção compactuava com o caminhar elegante da Dama e permitia a ela que soubesse de sua importância em todo aquele cenário.<br /><br />Após mais alguns metros e uma troca rápida de carinhos e amenidades com alguns convidados, ela chegou ao quarto de engenharia de mecanismos, com suas flâmulas vermelhas com os símbolos do Castelo do Jardim, que pendiam do teto e tocavam o chão, ornando as portas de vidro esfumaçado.<br /><br />As duas sentinelas que compunham e guardavam o quarto de engenharia de mecanismos vestiam as cores do Castelo e abriram caminho para que a Dama entrasse. Era uma dupla formada por um homem e uma mulher, ambos muito altos e fortes, mas ligeiramente menores do que Jéssica. Ela sorriu e entrou.<br /><br />As portas se fecharam atrás dela, deslizando silenciosamente.<br /><br />A fragrância de flores campestres que agraciavam o castelo foi imediatamente substituído pelo cheiro de ozônio e químicos controlados.<br /><br />O distante zumbido dos filtros de ar eram a música solene daquele quarto sagrado.<br /><br />A limpeza do local era impecável. A câmara era revestida de metal polido no chão e grandes placas muito bem assentadas de mármore branco nas paredes. As luminárias bem colocadas distribuíam a luz de maneira uniforme por todo o quarto. Dois painéis grandes, com oito metros de comprimento por seis metros de altura brilhavam com as as informações pertinentes do trabalho. A luz ressaltava os trajes de combate que se encontravam próximos às paredes, à exceção de um traje de quase três metros de altura, humanoide, de formas arredondadas, um colosso blindado com capacidade bélica fenomenal. Ele se encontrava com suas entranhas expostas, revelando o acento feito em seda e metais maleáveis, os manobradores que se prendiam aos membros do guerreiro, os extratores neurais e toda uma sorte de equipamentos que tornariam quem nele entrasse uma fabulosa ferramenta de destruição. O traje estava bem no centro do quarto, com vários visores, monitores, mostradores, cabos e tubos afixados ao longo de toda sua estrutura. Eram os minutos finais da avaliação histórica.<br /><br />Próximas ao traje estravam as damas técnicas, que avaliavam as condições do mecanismo. Membras de uma ordem milenar, formadas na Imperial Academia de Ciências, as damas eram especialistas avaliadas geneticamente para suas funções. Muitas delas nunca formava uma família, pois preferiam dedicarem-se exclusivamente ao trabalho. Durante os anos de formação na Academia, o maior sonho entre elas era tornarem-se damas técnicas, responsáveis por trajes de combate, poucas eram as que tinham tamanha honra.<br /><br />Jéssica aproximou-se com cuidado e as damas a saudaram com uma grande reverência. Elas a admiravam por sua coragem, compleição, altura, força, determinação e perícias marciais.<br /><br />Ingrid, a mais nova das damas, fez com que ela se sentasse na confortável poltrona de couro que estava próxima. A postura de Jéssica ao se sentar era diferente do que apresentava até aquele momento. Sentou-se ereta, mas não de maneira desconcertada e sim como uma estátua vida de uma deusa. A dama ajoelhou-se e limpou a sola dos pés da guerreira com paciência, procedendo com preces antigas que vinham de tempos imemoriais. Após aquele sutil ritual conduziu Dama Jéssica para dentro do traje, onde ela se acomodou e sentiu-se em casa, mais uma vez.<br /><br />O silvo suave ecoou pelo ambiente até que todo o metal do traje de combate se assentasse, gerando novos sons, que reverberaram pelo quarto, com assobios e o peso da máquina. As damas técnicas observavam cada detalhe do acoplamento, analisavam os mostradores e os grandes painéis e anotavam em suas planilhas as variáveis que talvez pudessem se tornar problemas num futuro.<br /><br />Isabel, a única que era casada daquela ordem tinha audição absoluta e ouviu uma variação nos ressonadores de controle sináptico, que ela sabia ainda estarem alinhados, mas que em algum dia poderiam diminuir o tempo de resposta das ações da Dama e a interação com sua vestimenta.<br /><br />Iana, a velha, aferiu os compensadores e controles das articulações. Ela sorriu com satisfação ao notar que não havia problemas nos sistemas pelos quais ela era responsável, as milhares de linhas de anotações preliminares e aferições não haviam sido em vão.<br /><br />A experiente Irina reciclou os vários sistemas operacionais que controlavam cada uma das interfaces do sistema geral, o traje acomodou-se como um único conjunto, por vários segundos e então retornou a operabilidade com fúria e paixão. As marcações nos registradores e pilhas de dados eram o que ela esperava.<br /><br />Idris, a prodígio que recebeu comendas das mãos do próprio imperador e foi convidada a ingressar na Grande Ordem dos Engenheiros, conferiu o gerador e certificou-se de que todo o traje estivesse abastecido e equilibrado, que cada sistema não fosse saturado de energia. Ela sabia que muitas guerras foram perdidas por erros na distribuição de energia e essa não seria uma falta que ela cometeria.<br /><br />Todas fizeram seus trabalhos com profissionalismo e paixão. O sinal foi dado. Os monitores mudaram todos para verde e Dama Jéssica impôs sua vontade. O traje mecânico colocou-se em movimento.<br /><br />O titã de metal e energia obedecia imediatamente a cada comando de Dama Jéssica. A cada passo que ele dava revelava as maravilhas da engenharia mecânica, do controle energético e da biomecânica.<br /><br />Não muito tempo depois ela chegou à colina da vigília, os outros guerreiros e guerreiras já haviam se vestido. Jéssica se dirigiu à frente do exército e lá esperou pela batalha.<br /><br />O sol brilhava forte, com um vento fresco que vinha do Grande Oceano, três dos sensores levavam essa informação diretamente à mente de Jéssica. De onde ela estava conseguia observar os dois exércitos que estavam alinhados e frente a frente.<br /><br />Enquanto a Dama sentia em sua pele os contatos metálicos e a seda que a acariciava dentro de seu traje, uma maior sensibilidade tocou seu corpo. Ela passeava em sua própria memória e sorria se lembrando dos sentimentos da parte da manhã. A guerra se iniciaria em menos de trinta minutos e com a imagem do sabor noturno em sua boca, ela lutaria pela glória do Império.<br /></div>
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-20962551488990233002014-01-24T09:11:00.000-02:002014-01-24T09:11:24.411-02:00O Filho de Anúbis - um conto de Scion (Hero)<div style="text-align: justify;">
O cheiro forte do incenso queimando trazia à mente imagens de deuses antigos, de sangue e fogo, de vida e morte, luz e trevas, de paz e de violência.<br /><br />O odor inebriante era intenso, mas não tão intensa quanto a movimentação frenética que tomava conta dos salões subterrâneos da antiga fábrica química Burgoyne Burbidges em East Ham em Londres.<br /><br />Tudo havia começado como um encontro da sociedade secreta da loja egípcia dos filhos do Nilo. Eles estavam reunidos para entregar a Muhamed al’Abbas, um emissário especial, o Livro dos Portais, uma relíquia sagrada de tempos imemoriais. Os rituais transcorriam conforme o cronograma, seguindo os desígnios dos deuses, entretanto o Destino transforma os heróis em peões em seu tabuleiro de jogos.<br /><br />Dois minotauros, enviados por Gaedos, um dos generais dos inimigos, haviam aparecido de surpresa no templo oculto, onde os adoradores de Anúbis faziam seu ritual.<br /><br />Doze tiros foram disparados por Muhamed em direção de Tisias, uma das enormes feras, que feria os seguidores desesperados. A munição consagrada ao deus da morte fez sua obrigação e derrubou a criatura de forma definitiva. Vários dos crentes nos antigos deuses encontravam-se feridos no chão, com suas vozes de agonia. al’Abbas gritou para que os seguidores fossem em direção aos túneis inferiores, e que ele também cuidaria do monstro restante.<br /><br />Ele sabia que sua munição divina havia acabado.<br /><br />Quando o último crente entrou no túnel, al’Abbas ordenou à porta que se fortalecesse, isso impediria aos inimigos de avançarem, o que protegeria os inocentes além de seus umbrais. Ela obedeceu.<br /><br />Enquanto empregava os poderes de seu sangue, foi acertado em cheio. O chifre envenenado de Kakios, um dos monstros invasores, entrou fundo, atravessando costelas e perfurando seu pulmão esquerdo, por pouco não atingindo seu coração. O impacto o arremessou pelo ar, fazendo-o atravessar dois grandes arcos e então aterrizou com tanta violência que o barulho do partir de seus ossos ecoou pelo ambiente. O gosto ferroso de sangue preenchia sua boca e sua respiração estava dura, dolorida. A queda fez com que batesse a cabeça em um dos pilares próximos da porta que levava aos túneis inferiores, o outro minotauro, Tisios, estava lá, morto ao seu lado.<br /><br />Kakios bufou alto e os olhos vermelhos da besta tornaram-se fogo vivo. Pôs-se a correr em direção de al’Abbas, com os chifres prontos para mais uma investida, o derradeiro ataque. Não havia muito mais o que fazer, com uma olhada rápida ao redor observou cada pequeno detalhe, com as poucas forças que ainda lhe restava consagrou o arco à sua frente ao seu nome e ao nome de seu pai, e obrigou-os a impedir a passagem do minotauro.<br /><br />Kakios quase quebrou o pescoço quando atingiu a barreira invisível, construída com a vontade do filho de Anúbis. Ficou levemente abalado, contudo não desistiu de seu intento. voltou a atacar com ainda mais ferocidade. A cada nova investida a proteção suportava, mas era perceptível que ela não duraria muito tempo.<br /><br />al’Abbas então pediu à morte um favor e tocou o cadaver caído de Tisias, fazendo seu corpanzil cravejado de balas se mover à sua vontade.<br /><br />Quase no mesmo instante a barreira protetiva esfacelou-se em milhares de fragmentos. O minotauro raspou os cascos no chão e faíscas queimaram no ar. Então atacou com brutalidade, e quase alcançou êxito, mas sua sanha assassina o cegou e ele não notou que os chifres de seu antigo aliado, agora um desmorto ao comando de al’Abbas, havia entrado fundo em sua carne, rasgando-o por dentro. Debateu-se, espancou o cadáver ambulante, mutilou-o, mas foi tudo em vão. Faleceu embebido em seu próprio sangue.<br /><br />O odor do incenso ainda era intenso e começava a fazer mais sentido agora, que tudo havia se acalmado. Não havia mais alvoroço e al’Abbas estava morrendo, ele estava próximo dos portões metafóricos que levavam aos reinos de seu pai no submundo. Deixou sua cabeça pender para o lado, tentando enganar a dor enorme que sentia, quase iniciou as orações pelo seu passamento, mas ouviu passos apressados vindos da entrada principal do templo subterrâneo, eram sons que sua audição legendária não confundiriam. Sorriu um sorriso entredentes e logo em seguida tossiu forte, com dores e então sentiu um alívio divino quando Hilda Falkensburg, a filha de Freya, da raça dos Vanir, clamou sua herança sobre a saúde e rezou à sua mãe para salvar a vida de al’Abbas. Ao seu lado também estava o rapper T.K. filho de Legba, dos Loa.<br /><br />- Chegamos bem a tempo de te salvar, mais uma vez - a frase era dita por aquele homem magro, jovem, negro, com um sorriso largo, branco como marfim.<br /><br />- Eu matei dois minotauros enviados por Gaedos, salvei vinte seguidores dos Pesedjet e vocês me salvaram? - os ferimentos já não mais doíam, o sangue estancou, a cor de vitalidade retornou ao rosto do belo e jovem filho de Anúbis. - De qualquer maneira, obrigado por virem, apesar da bagunça aqui, consegui pegar o que vim buscar. Agora preciso levar isto para o Egito. Volto a encontrá-los em dez dias.<br /><br /><br />O terreno pedregoso e escaldante que se encontrava abaixo passava rápido. Aquilo incitava lembranças ancestrais contidas em seu sangue. Muhamed al’Abbas al’Fadhal sentava-se em sua extremamente confortável poltrona em um avião particular Airbus A380, com bandeira privativa de sua empresa, a al’Abbas Petroleum, com braços na Arábia Saudita, Iraque, Kuait e Emirados Árabes.<br /><br />Seu rosto esguio, de pele bronzeada, com um nariz insinuante era favorecido por olhos expressivos de um negro profundo, olhos de um verdadeiro predador.<br /><br />Uma das muitas aeromoças lhe trouxe uma bebida refrescante. al’Abbas deixou-se quase sorrir ao observar as curvas da mulher que utilizava um uniforme de trabalho um tanto justo, que realçava sua beleza. Ela se afastou com uma mesura e movimentos sinuosos. Uma bela visão, pensou ele.<br /><br />A bebida foi providencial, fez seu corpo relaxar.<br /><br />Ele então olha para a mesa à frente e pega, pela centésima vez, o envelope em pele de carneiro, costurado e dele retira um rolo de papiro. O conteúdo do texto se faz presente em suas memórias novamente. Os hieróglifos cali contidos informavam um local, uma data, um nome e um mistério. O significado daqueles símbolos lhe era claro, familiar e preciso, mesmo sem jamais tê-los estudado. Ajeitou-se na poltrona e adormeceu. Despertou com a voz da aeromoça, que encontrava-se ao seu lado.<br /><br />- Senhor, chegamos a Sharm el-Sheikh. Sua limousine já foi desembarcada do avião e o aguarda conforme solicitado.<br /><br />Quando as pessoas pensam em Egito não costumam visualizar climas amenos, uma cidade linda, banhada pelo mar vermelho.<br /><br />A limousine levou al’Abbas até um enorme hotel a oeste da cidade de Sharm. Um resort opulento, com vista para o mar vermelho, palmeiras, praia, um vento forte que refrescava, um lugar que acrescia à figura bem vestida de al’Abbas.<br /><br />Não havia outros hospedes, todo o lugar havia sido reservado apenas para ele e sua comitiva.<br /><br />Ele andou até a praia, retirou os sapatos e os entregou a um dos serviçais. O som predominante do lugar era o barulho do mar, que enchia seus olhos à sua frente, o som do vento em suas orelhas e uma música distante, de vozes esquecidas no tempo.<br /><br />Caminhou com os pés descalços sobre a areia molhada até uma cadeira de praia feita de madeira. Lá encontrava-se um homem negro, de porte também esguio como al’Abbas, com olhos tão negros quanto o submundo e uma graça tão precisa que provavelmente saberia pesar a alma de um homem.<br /><br />O homem apontou para uma cadeira ao lado da sua, onde al’Abbas se sentou e olhou para o mar.<br /><br />- Trouxe o que me pediu, Inpu. Não foi fácil. Fomos atacados pelo inimigo, quase vim ao seu encontro mais cedo, pelo caminho sombrio.<br /><br />- Mas você venceu, meu filho. Agora aproveite a brisa e contemple o infinito. Ainda há muito a ser feito e no mundo superior os titãs batem às nossas portas, tentanto escancará-las. Amanhã você voltará ao encontro de seus aliados e espero que em nosso próximo encontro me traga informações sobre quem Gaedos deseja despertar em Londres. Meu sangue corre em suas veias e tenho muito orgulho disso.<br /><br />O sol se pôs, a escuridão tomou conta do mar, Anúbis voltou para sua morada celestial enquanto seu filho ainda apreciava as areias da praia deserta, sabendo que seu destino mais uma vez lhe afastaria de seu amado Egito e o levaria o levaria à ilha da Inglaterra. Ele sabia que esse era o seu destino, o destino dos heróis.</div>
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-63318008121971373582014-01-02T14:57:00.003-02:002014-01-02T14:57:52.445-02:00O Monstro Familiar - Um micro conto do Mundo das Trevas<div style="text-align: justify;">
Era sempre o mesmo sorriso tímido e o corriqueiro cumprimento bem mensurado quando encontrava com os vizinhos, ou os colegas de trabalho, ou algum conhecido. E foi com passos calmos e a respiração controlada que ele saudou aos que encontrava quando chegou à repartição onde trabalhava.<br /><br />Sentou-se, ligou seu computador e pegou a xícara de café. Observou a superfície do líquido escuro e quente. A escassa espuma que ali existia formava, em sua mente, padrões que traziam suas experiências àquele momento e por um instante seus pensamentos foram além das paredes do prédio.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Ele lembrou-se do frio da noite, do suor sobre seu corpo e da excitação que sentira. Tudo já havia sido feito. Não houve problemas, nem sequer um pequeno transtorno. Tudo foi fácil, deliciosamente fácil. Como em todas as outras vezes, ele apenas agiu. Tantas foram as vítimas que o prazer havia se tornado mecânico e cada vez mais intenso. Ele não pensou nas consequências de seus atos, apenas seguiu com seu plano, parcamente elaborado, e foi saciar sua doença.<br /><br />O café findou-se e o sabor amargo da bebida contrastava com o gosto doce da noite anterior. Ele observou ao seu redor, com calma, enquanto respondia aos e-mails do serviço. Um funcionário padrão e eficiente.<br /><br />À mesa de trabalho, em frente de vários papéis e um monitor com planilhas de cálculos abertas, ele respirou fundo e por um momento olhou para suas unhas, irregulares, quebradas em pequenos pontos. Apesar de tê-las limpado como de costume, ainda "via", com os olhos da lembrança, a terra vermelha dentro delas. Em sua mente visualizou suas mãos cavando a terra seca, cavando fundo e forte, tanto que até feriu seus dedos. O corpo de sua última vítima ainda estava ali, perto, com o rosto virado para ele e com seus olhos mortos, vazios, a observá-lo, a saliva aflorou em sua boca mais uma vez, em profusão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Os números e os cálculos tomaram seu tempo e mais um dia se passou. Seus colegas o admiravam por sua competência no ambiente produtivo e por sua simpatia - "Não se esqueça do churrasco no sábado, será lá em casa" um amigo dizia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />O sorriso amistoso escondia uma maldade latente, que ninguém jamais via. Ele fingia bem, escondia bem, era mais convincente do que um ator profissional.<br /><br />Vivia tanto aquela farsa que até as vezes quase acreditava nela. Quem olhasse em seus olhos veria um homem assustado, tímido, ingênuo até, mas sua boca salivava sempre que via uma vítima em potencial. Quanto mais inocente a presa, melhor. Aquele único ponto de descontrole era o que o denunciava.<br /><br />Seu prazer sórdido, se sabido pelos que com ele andavam, os enojaria ao ponto de perseguirem-no, espancarem-no e esquartejarem-no em praça pública, horrorizados, como uma turba ensandecida, enquanto gritariam palavras como: "monstro", "abominação" e "aberração". E dormiriam preocupados por talvez existirem outros como ele, que também frequentavam suas casas e estavam perto de seus filhos, de suas esposas, maridos, mães e pais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Contudo ele ainda estava vivo, sorridente, amigo, confiável, perigoso e acima de tudo incógnito.</div>
vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-51443432043695884042013-10-10T14:56:00.003-03:002013-10-10T15:07:05.258-03:00A vergonha de Jonas - conto de mago do despertarA algum tempo escrevi um conto para o concurso Eu, Criatura, da Devir.<br />
Era um concurso onde escrevíamos um conto, em primeira pessoa, sobre uma criatura baseada no mundo das trevas da White Wolf.<br />
<br />
Fiquei em segundo lugar com o conto "A vergonha de Jonas", a história sobre um mago que teve problemas familiares e deve enfrentar seus demônios internos para tentar recuperar o tempo perdido.<br />
<br />
A vergonha de Jonas:<br />
<a href="http://devir.com.br/mundodastrevas/wp-content/uploads/2011/11/MdT_Contos-02.pdf">http://devir.com.br/mundodastrevas/wp-content/uploads/2011/11/MdT_Contos-02.pdf</a><br />
<br />
<br />
O terceiro lugar ficou com Lembranças, de <b style="font-weight: normal;">Samila Cavalcante Lages</b>:<br />
<a href="http://www.devir.com.br/eucriatura/contos/MdT_Contos%2003.pdf">http://www.devir.com.br/eucriatura/contos/MdT_Contos%2003.pdf</a><br />
<br />
E o vencedor foi <b style="font-weight: normal;">Bernardo Ferreira Stamato, com sua Aberração na Coleira: </b><br />
<b style="font-weight: normal;"><a href="http://www.devir.com.br/eucriatura/contos/MdT_Contos%2001.pdf">http://www.devir.com.br/eucriatura/contos/MdT_Contos%2001.pdf</a></b>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-76568597969241438952013-09-18T11:04:00.004-03:002013-10-09T14:00:25.670-03:00Nenhuma Espada é Sagrada. Nenhuma Guerra é Santa. - um conto de guerra e fantasia<div style="text-align: center;">
Nenhuma Espada é Sagrada. Nenhuma Guerra é Santa.</div>
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O corte foi preciso. A espada cruzou o ar em um traçado mortal e em sua trajetória separou carne e tendões como se não encontrasse resistência. O pêndulo agudo teve mais força imposta alimentando de energia a arma tingida de vermelho, que desempenhava excelentemente seu dever, o de ceifar a vida. Essa era a razão de sua existência desde o primeiro momento em que foi sonhada por Derick, o ferreiro. A espada sabia de sua missão e já não contava mais as almas que abandonavam os corpos daqueles que sua lâmina beijava.</div>
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<br /></div>
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Um novo golpe mutilou um pedaço da mão de um oponente, levando também quatro dedos. A espada inimiga caiu no solo, mas ninguém escutou seu lamento, pois os gritos de dor dos feridos sobrepujava o tênue choro do metal comum arremessado ao solo. A espada empunhada por Rorger, o escolhido de Namiezil, ainda teve tempo de ver a queda humilhante da simplória rival e então se colocou novamente em curso de outro golpe.</div>
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<br /></div>
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Muitas dessas investidas encontravam escudos maciços, barreiras odiadas que a impediam de alcançar seu objetivo, o de beber o sangue do outro, expor suas entranhas, macerar sua carne, separar seus ossos e vê-los tombar, mutilados, feridos, mortos, irreconhecíveis, irrecuperáveis.</div>
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<br /></div>
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Ela cantava a canção da batalha e dançava ao sabor do vento da morte. Os doze deuses mortos da terra de Acéllus sabiam seu nome e a reverenciavam nas mansões de seus corpos, pois ela era quem levava até eles as almas dos crentes. </div>
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<br /></div>
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Os guerreiros, e os feiticeiros, e os plebeus e os reis rezavam com mais fé sempre que ela se aproximava, pois ela era o instrumento da divina fúria na mais sagrada missão, dar fim ao mau contido no mundo.</div>
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<br /></div>
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A existência do objeto só é justificada quando ele está em uso. Telus, a espada forjada através do ferro das minas de Dau Gotir e pelos feitiços sussurrados pelos deuses nos ouvidos dos feiticeiros além do rio de Vantéria, tinha sua sede de sangue aplacada apenas quando a batalha terminava e o lado vencedor conhecido. Telus não se lembrava de estar do lado perdedor sequer uma vez, mesmo com a troca de punhos durante um mesmo combate.</div>
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<br /></div>
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Entretanto Telus sabia que naquela batalha não haveria troca de punhos, ela sabia que a mão que a empunhava era a do guerreiro santo de Namiezil, Rorger, e deles seria a vitória naquela grande ópera de carne, músculos, sangue e metal.</div>
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<br /></div>
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Os dias que antecederam aquele momento foram de intensa preparação. O ritual de purificação requereu doze noites inteiras. Os cavaleiros santos dos deuses de Acéllus fizeram seus sacrifícios e queimaram as oferendas para limpar os caminhos da lâmina sagrada da espada Telus. Ela estava apaziguada, estava em ressonância com a mão que a empunharia em sua incessante luta em busca pela justiça e pela honra. Ela estava alinhada com as convicções morais dos homens aos quais ela servia. As palavras rezadas para os senhores supremos dos reinos além da vida permeavam seu aço polido e brilhante, com um fio tão perfeito que apenas o pensamento de ferir abriria cortes na carne dos inimigos.</div>
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<br /></div>
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Então havia mais um inimigo morto, com metade de sua face no solo, distante do resto do corpo ao qual ela pertencia. O suor corria rico pelo corpo de Rorger. Os músculos poderosos do guerreiro santo iniciavam sua música de cansaço, contudo a espada queria mais e em seu desejo de sangue e justiça Telus escutou uma canção de morte oposta à sua, vindo rápida, afiada e mortal. </div>
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<br /></div>
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À frente de Rorger, a não mais de cinquenta passos de distância, encontrava-se Calmaron, o mais temido duque das longínquas terras do fogo, membro da profana ordem da sombra fria. Calmaron, o destruidor, Calmaron, o senhor do fogo. Destruidor de cidades, que torna pútrida toda a terra que pisa. Calmaron, o detentor de Marizan, a espada demônio.</div>
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<br /></div>
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O sangue já havia transformado o solo em um barro vermelho e espesso, de consistência viva, o alimento das entidades místicas. As entidades que vislumbravam, de seus vários lares, alguns a mil planos de distância, a aura belicista que se concentrava mais em mais em um espaço cada vez menor. </div>
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<br /></div>
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Telus sabia que era assistida naquele momento, ela percebia isso em sua lâmina, os olhos do infinito a analisavam e isso a tornou mais letal. Ela sabia que os milhares que ainda se digladiavam próximos dela não eram mais do que apenas coadjuvantes naquele teatro sagrado, pois nenhum corte era tão preciso quanto os seus, nenhum sangue jorrava mais intenso do que com sua mordida, nenhuma cabeça rolava belamente sem que fosse seu santo metal a separa-la do corpo. As outras espadas e corpos eram o cenário, ela era o espetáculo.</div>
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<br /></div>
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Marizan não sorria. O negrume opaco que a revestia era enriquecido pelo sangue dos inimigos caídos que a enfeitavam. A sua forma era imponente, era esguia e robusta, absorvia a luz e mal revelava os escritos na língua dos mortos que possuía acima de seu guarda mão, nos limites de seu ombro. Ela emprestava suas capacidades e experiências ao carniceiro meticuloso que a segurava. Para ela, aquela batalha era apenas mais uma, pois seu ódio ancestral e sua malícia destilada como veneno era fruto de segredos tão antigos e tão profundos que datavam de pouco depois da morte dos deuses. Ela existia desde então, e isso a consumia como criatura. Ela era fúria, caos, sofrimento e dor. Ela era o próprio demônio vestido de metal, contra sua vontade. Seu ódio e desejo de retornar à sua majestade infernal a impelia a jamais ser derrotada em combate.</div>
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<br /></div>
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Os corpos dos desafortunados combatentes que ousavam em algum momento confrontar Rorger ou mesmo Calmaron se amontoavam, esquartejados, mutilados, despidos de suas vidas, jogados na lama formada pelo sangue que coagulava em profusão naquele terreno acidentado. </div>
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<br /></div>
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Quando Telus percorria o ar, silvando com sede de sangue, a carne dos inimigos abria caminho para sua passagem. Quando Marizan entrava no inimigo, sua presença demoníaca cortava não apenas a carne, mas também a alma da vítima e se alimentava dessa essência espiritual. Os cadáveres por ela abatidos nem sempre descansavam em paz no encontro com seus deuses ou nos braços do três apócrifos, havia aqueles que retornavam como escravos de sua vontade e disponíveis a seu portador.</div>
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<br /></div>
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Um dos soldados do exército oposto chegou pelas costas de Rorger e demonstrou capacidade de combate e nesse momento o Duque Calmaron viu o caminho livre até o sagrado guerreiro que roubara tantos servos de seu exército de conquista e vingança.</div>
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<br /></div>
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Calmaron segurou Marizan com ambas as mãos e correu em direção ao inimigo com a intenção de impor maior violência ao golpe que desejava acertar. O barulho que o metal negro de sua armadura produzia era assustador e o demônio em suas mãos desejava beber o sangue e a alma do mais forte dos oponentes. </div>
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<br /></div>
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Rorger estava de costas para Calmaron e lutava com um forte selvagem. Em um golpe que percorreu o espaço do canto superior esquerdo até o extremo mais inferior direito do guerreiro, Telus viu, quando atingiu o ponto mais agudo do corte, por trás do guerreiro santo, a vinda do duque e de sua espada maldita. A vontade da espada fez Rorger virar-se violentamente e Telus cortou o ar mais uma vez e o mundo daqueles dois homens parou naquele momento pois Marizan foi impedida de dilacerar a carne do guerreiro santo. </div>
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O fogo profano e a luz divina formaram um mundo de medo, sons, cores sombrias e esperança ao mesmo tempo. O golpe foi tão monstruoso que ambos os senhores recuaram um passo para se recompor. As espadas ficaram a postos, cada uma delas avaliou sua rival com a maior acurácia possível. Ambas procuraram falhas, dentes, qualquer fissura que mostrasse um possível ponto para ser explorado, mas as duas eram perfeitas em sua fazedura, uma feita pelas melhores técnicas e metais que os homens possuíam, abençoada pela graça dos deuses e sagrada ao guerreiro santo, em nome de Namiezil. A outra fôra forjada no seio do inferno e era blasfema em sua própria forma. Nenhuma conseguiu entender como era possível a permanência da outra nesse plano de existência. </div>
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Uma nova investida ocorreu com golpe seguido de golpe em busca de uma abertura na defesa do inimigo. O céu se tingiu de cores gritantes, vermelho apodrecido, de azul cadavérico. Os músculos dos combatentes expandiam e retraíam inferindo força a cada impacto. Faíscas e fogo gritavam no espaço ao redor dos dois, engolindo-os em uma nuvem incandescente de horror e glória.</div>
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As lâminas dançavam e se contorciam no ar num baile mortal. Sempre que uma encontrava a outra naquela dança de ódio elas trocavam ofensas e experiências de suas capacidades e tornavam-se cada vez mais carregadas e pesadas com a fúria que acumulavam.</div>
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Calmaron arfava como um cão e com as duas mãos manipulava com técnica mordaz Marizan em direção ao alvo.</div>
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Rorger transpirava muito e o suor fazia seus olhos arderem. Não havia tempo para limpar o rosto.</div>
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Outra pancada e o primeiro sangue entre os dois aconteceu. Marizan escorregou pela lâmina de Telus e encontrou uma falha na defesa da inimiga, e macerou a carne de Rorger por cima da armadura azul e dourada que ele utilizava. Apenas Telus escutou quando Marizan gritou de raiva e satisfação.</div>
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Um passo atrás, outro passo. Rorger começou a perder terreno perante a investida avassaladora de Calmaron. O duque da conquista colocou-se em posição mais alta, conseguindo uma vantagem significativa e continuava a impor o ritmo do embate.</div>
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A cada vez em que Marizan descia em um círculo fulgurante impulsionada por Calmaron, ela era rechaçada por Telus, que tentava com todas as técnicas conhecidas ganhar um ponto de ataque, pois sua defesa começava a vacilar.</div>
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Outro golpe e outro encontro, dessa vez mais próximo, Rorger não conseguia pensar. Calmaron avançava com gana e como um dos maiores guerreiros conhecidos, queria levar a morte a seu inimigo.</div>
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Foi quando Rorger fez um incrível jogo de corpo que o colocou no flanco de Calmaron, com a lâmina de Telus lambendo fundo o abdome do senhor negro. Marizan tentou levantar-se para aparar o contra golpe que viria a seguir, mas a posição de seu senhor a impediu de obter êxito.</div>
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Telus entrou fundo no braço de Calmaron.</div>
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O fogo simbólico percorria o espaço em torno da espada negra que iniciava seu destino rumo ao solo. Telus viu sua oponente cair. Ela escutou o som de sua vitória e desceu uma vez mais em direção ao duque.</div>
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Foi desferido o último golpe de toda a batalha.</div>
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Mil monstros jaziam como enormes esculturas de carne e ossos no campo sangrento, milhares de soldados mortos estavam mutilado a seus lados. As duas espadas permaneceram com o peso do mundo em suas lâminas e os dois senhores da guerra sabiam que era o fim. </div>
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Os senhores do oeste venceram a guerra e Rorger foi seu mais valente general. A paz de Acéllus seria deles. Aos duques do fogo a derrota do exército de Calmaron significou que seriam obrigados a negociar, em termos de descontentamento. </div>
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Legitimado pela vontade dos deuses, aquele momento seria histórico, lembrado por gerações e então, entraria nas crônicas da terra como o conflito final da guerra dos mil monstros.</div>
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No campo de batalha permaneceu Marizan, esquecida. Contudo dizem os sábios que a espada demônio retornaria ao mundo em busca de outro senhor para então se libertar e reconquistar o que lhe foi roubado.</div>
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-vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-40140052284401859632012-07-10T16:20:00.004-03:002012-07-10T16:21:08.548-03:00Fluxo Sanguíneo - um conto de raiva e vingança<div style="text-align: justify;">
Fluxo Sanguíneo - um conto de raiva e vingança<br /><br />Escuto claramente o pulso impactante do sangue viscoso através de minhas veias e artérias. É um golpe forte, poderoso, que faz litros e litros do líquido ferroso correr através de mim, preenchendo cada capilar, levando vida a cada canto de meu corpo, e nesse momento mais específico, até além dele.<br /><br />O sabor adocicado vem à minha boca mostrando que ainda estou viva, embora não por muito tempo. A vazão é constante e ouço os batimentos de meu coração, cada vez mais fora e ritmo, mas ainda lá. Começo a sentir frio, todavia não há dor, algo que eu não compreendo de imediato. Sinto apenas o frio, que se intensifica. Eu tremo e solto um gemido, não de dor, mas de tristeza.<br /><br />Apesar do frio que me acaricia a pele e tenta levar minha consciência para longe dali, ainda lembro meu nome, Adriana, que tantas vezes escutei desde minha infância. Uma infância de menina quieta, embora sempre sorridente, de pele mulata e cabelos ao vento. Uma verdadeira mocinha recatada e com um olhar atento a tudo o que acontecia ao meu redor. Meu nome era sempre usado para demonstrar a boa menina que eu era, o quão educada eu era, o quão sorridente e comportada eu me colocava. Meu nome era dito com carinho. E a medida que eu crescia o nome continuava pronunciado com um tom suave, mas as intensões que eram impregnadas nas palavras não eram mais tão pueris e eu corava ao ouvi-las e apesar de muito satisfeita com as formas que meu corpo começava a apresentar, sempre soube me proteger e aceitar os lábios apenas daqueles que souberam me respeitar como ser humano. <br /><br />Em minha pele apenas uns poucos escolhidos tocaram com carícias menos contidas e dentro de mim apenas entrou o valor de dois homens. E nesse momento um terceiro valor encontrou morada em meu corpo, uma lâmina fria, de um metal imparcial, cuja ponta aguda rompeu minha carne e a chapa afiada como palavras de violência cortava o tecido de minha epiderme, desvirtuando minha integridade, perfurou fundo, clamando com ódio pelo meu sangue e minha vida. Ela se alojou em mim.<br /><br />Agora o pulso fazia jogar cada vez com menor intensidade o sangue e, pouco antes de meus olhos embaçarem, apenas um momento antes de me desligar da carne mortal, vi uma sombra, que em circunstâncias normais seria amedrontadora. Era um fantasma incorpóreo que segurava com uma firmeza inconstante o objeto que me roubava a vida.<br /><br />Sua presença era tênue e tão palpável quanto um sentimento ruim e, enquanto olhava para mim, tentava agora sem tanta convicção, fazer com que a faca penetrasse mais e mais em minha carne.<br /><br />Ali, perto de mim, era um fantasma e eu afirmo isso mesmo sem necessidade de convencer a ninguém. Sei disso porque noutra noite encontrava-me no banho e enquanto me limpava ouvi uma respiração profunda, bem próxima. Olhei ao redor, e também além da janela, não vi ninguém, nada que pudesse produzir tal som. Ouvi novamente a respiração e um ruído macabro que a seguiu, quase pronunciando meu nome - “Adriannnnnnnaaaa” - escutei e um calafrio percorreu meu corpo e mesmo na água quente fiquei arrepiada e me senti desconfortável.<br /><br />Sai do banho e enquanto passava pelo espelho do banheiro eu o vi pela primeira vez. Não era definível, mas estava lá dentro, eu sabia, exatamente onde eu me entendia melhor. Reflexivamente olhei ao redor mais uma vez, sabendo em meu âmago que não encontraria nada.<br /><br />De dentro do espelho eu vi olhos nas sombras. Era um olhar que me era familiar, que me trouxe emoções boas e ruins. Tentei, mesmo apavorada, me concentrar na imagem dentro do reflexo. Outro calafrio me percorreu e uma sensação paradoxal de desejo e medo interligados se apossou de mim quando no vidro vi Wagner.<br /><br />Quanto amor eu não senti por ele? Por quê sua imagem me assombrava agora? Eu tentava encontrar alguma explicação científica para ver o homem de quem fui noiva, que me tornou uma mulher plena e que também me apresentou o medo como companheiro.<br /><br />Wagner foi um grande amor. Talvez o primeiro amor verdadeiro que senti em minha vida, e ele também foi meu carcereiro. Ele me amava, tenho certeza disso, mas era um amor doentio, que só percebi corrompido muito tempo depois, quando seus rompantes de ciúmes começaram a transformar minha vida de um conto de fadas em um inferno de agonias.<br /><br />Vivemos as maravilhas da vida e as dores do sofrimento, mas em determinado momento, consegui uma força além de mim e brigamos. E então, depois de muito tempo e muita dor física, mental e espiritual, consegui com que se afastasse. As marcas que ficaram em meus braços e meu rosto não foram nada comparadas às marcas deixadas em minha alma.<br /><br />Ele tentou voltar comigo algumas vezes e, à exceção de apenas um único momento, onde deixei que meu amor por ele sobrepujasse meu medo, e onde mais uma vez ele mostrou que era mais monstro do que homem, consegui afastá-lo de meus dias.<br /><br />Por muito tempo mantive-me constantemente em meu trabalho, lugar onde Wagner havia parado de vigiar, pois os seguranças conseguiram evitar suas visitas.<br /><br />Foi nessa época que conheci Roberto, que me cativou com sua conversa gostosa, seu lindo sorriso e suas mãos grandes. Fomos apresentados por Silvia, uma amiga do trabalho com quem eu confidenciava alguns de meus momentos com Wagner. Não demorou muito e admito que me apaixonei por Roberto, talvez para preencher o vazio que foi deixado em mim, ou talvez porque ele me completava, me tornava inteira realmente. Aquilo era intenso e diferente.<br /><br />Infelizmente Wagner soube de meu namorado e segundo me contaram, após beber muito além da conta ele estava tomado pelo ódio, um ódio diabólico que ultrapassava seu olhar, que tornava negra a sua alma. Foi-me falado que ele estava determinado a me matar e entrou em seu carro, e disparou em alta velocidade, e morreu ao se chocar frontalmente com outro veículo. O outro motorista e sua esposa também faleceram naquela hora.<br /><br />Eu sei que não deveria, mas fiquei aliviada ao saber da morte dele. A partir daquele momento minha vida seria melhor, mais livre e com um homem que me amava e me respeitava.<br /><br />Minha vida liberta e plena durou até o momento em que o ódio sobrenatural que Wagner nutria, aquele ciúmes diabólico, repleto de doenças emocionais e sua própria incapacidade de lidar com a rejeição, uma rejeição construída pedra a pedra por ele mesmo, ganhou força, escopo, determinação à medida em que minha felicidade junto a Roberto crescia.<br /><br />Quando o fantasma nu de Wagner, etéreo, assustador, de coloração próxima a carne apodrecida e um odor repugnante de terra estéril, carniça e vermes, se apresentou à minha frente, na noite em que eu me preparava para comemorar dois anos de namoro, eu chorei copiosamente, uma onda de desespero tomou conta de mim, pois mesmo a morte não havia levado o homem que me feriu, que abusou de meu amor e que me prendia, que me impedia de ter uma vida.<br /><br />Eu gritava alto, agudamente, desesperadamente. Gritava para ele me deixar em paz. Gritava com ele como nunca tive coragem de fazê-lo quando ele estava vivo. Ele não foi embora e por mais que eu quisesse eu não tinha forças para me movimentar, para fugir.<br /><br />Os olhos espectrais dele cortavam minha vontade, feriam minha consciência, me tornavam ainda mais indefesa. Eu o temia e esse temor alimentava aquela sombra. Eu o amava e meu amor me prendia àquele chão. Eu o odiava e quando de súbito tive noção de que poderia direcionar aquele ódio para me libertar, senti a lâmina em meu seio, me matando. Ele havia finalmente roubado de mim, definitivamente, a minha felicidade, minha vida, minha esperança. Meu ódio tomou forma e então me desliguei do que eu era, tornei-me vazia, ódio e amor.<br /><br />Wagner se foi. Quando concluiu o seu intento ele foi extirpado para sempre da existência, seu ódio o consumiu assim como a decepção de não ter vivido plenamente me consome.<br /><br />Hoje vigio Roberto através dos espelhos, dos reflexos nas lâminas, por onde ele anda. Velo seu sono. Desde que ele arrumou um outro amor para ajudá-lo a suportar a dor de minha morte eu o vigio e à medida que o amor deles cresce, minha decepção e ódio crescem juntos.<br /><br />Espero um dia ter a força que Wagner tinha e conseguir operar a faca que entrará fundo no coração de Roberto, mas também espero que quando esse dia chegar o amor que sinto pelo homem que me matou, o homem que desejo matar e o amor por mim própria superem meu ódio e decepção e que me impeçam de fazê-lo, libertando-me desses grilhões, permitindo que eu não seja consumida pelo ódio e que talvez, apenas talvez, encontre algo além, nessa inexistência do além vida.<br /></div>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-39522427205804369052012-06-12T11:28:00.003-03:002012-06-12T11:28:49.846-03:00A Derradeira Canção dos Pássaros de Fogo - Um texto sobre uma aventura de Changeling, o Sonhar.Esse texto foi utilizado para finalizar uma saga que narrei, a muitos anos atrás, de uma aventura de RPG de Changeling: the Dreaming, ou Changeling: o Sonhar.<br /><br />Na aventura um grupo de seres que lutavam para não esquecer sua herança feérica e não tornarem-se banais, consumidos pelo outono das eras, sobreviveram às maiores buscas que os heróis poderiam fazer.<br /><br />De maneira resumida a aventura foi desenvolvida para eles encontrarem um grupo de pequenas estátuas de pássaros, feitos com vários tipo de pedras diferentes, através de perigos reais, imaginários e políticos. E quando a última ave foi conseguida, elas se uniram e tornaram-se uma grande Fênix, de pedra e fogo, que revelou o "segredo" do jogo.<br /><br />É importante dizer que para um Changeling, o seu nome real significa a essência básica da existência dessas criaturas feitas de pedaços perdidos de sonhos passados. Nomes tem poder, e quem conhece o nome real deles, controla suas vidas.<br /><br />Essa foi a última canção dos pássaros de fogo, conforme ocorreu em sessão de jogo:<br />_____<br />
<br />Os dias de glória das fadas são longos<br />Enquanto os heróis continuarem a lutar.<br />Nós os saudamos guerreiros audázes<br />Que os tambores por vocês venham sempre rufar.<br /><br />O sonho dos homens criou vida forte<br />E a espada mesquinha de alguns a tirou.<br />Sete pecados que são sete mortes,<br />Setes senhores que o destino esperou.<br /><br />Senhores elfos que mataram seus pais<br />Em tempos sobrios e na traição.<br />A eles desejamos que não haja mais paz<br />Seus nomes diremos pois sabemos quem são.<br /><br />E não apenas como são chamados -<br />Pois seus nomes reais serão ditos também<br />Mas tenham cuidado com os nomes sabidos<br />E que seus corações os utilizem para o bem<br /><br />Abraão, o forte, da casa Dougal,<br />Seu nome é Aalard nos dias de luz.<br />Conspirou com os outros tornando-se mau<br />Matou seu senhor e agora os conduz.<br /><br />Alexandre Folha Verde, um conde do norte<br />Que tornou-se lorde com seu ato medonho.<br />Em um setembro passado foi mensageiro da morte.<br />Axeile é seu nome, escrito no sonho.<br /><br />Carlos o Demente, que de um olho é cego.<br />Para atingir o seu posto foi preciso matar.<br />Em conchavo com outros ele disse: "Eu nego" -<br />Quando foi encontrado, e seu nome é Cadmar.<br /><br />Daniel o Senhor das Fontes, visto foi ele<br />Saindo do quarto de seu mestre a chorar.<br />Dannain é o maldito nome dele,<br />Que culpou um criado, do conde matar.<br /><br />Gilson Grande Céu, aquele que ri,<br />O que não tem medo do que é guardado.<br />Gaidon é seu nome, gravado aqui -<br />Em minha memória como foi me contado.<br /><br />Silvana Doce Véu, a senhora dos ventos,<br />Aquela que o sonho não há de esquecer.<br />Traiu sua graça por simples momentos.<br />Solaberge é o nome que a fez viver.<br /><br />Úrsula a Bela, do rosto perfeito -<br />Que seduziu o senhor o qual ela matou.<br />Ursane é seu nome, assim por direito.<br />E espera a morte, pois ela o amou.<br /><br />Assim terminamos esse conto tão triste,<br />Mas temos certeza de que em boas mãos estará -<br />O destino de sete, cuja honra em riste<br />Enfraquece com o tempo pois agora não há -<br /><br />Sequer um momento que não se sintam fadados<br />Ao fracasso, ou quem sabe a coisa pior.<br />Sabemos que heróis como vocês são honrados<br />E que seu destino será sempre o melhor.<br /><br />Mantenham-se unidos se assim desejarem,<br />Ou afastem-se para sempre se for do agrado,<br />Mas no caso de juntos e glórias abordarem,<br />Lembrem-se de nós que estivemos ao seu lado.<br /><br />Do passado nós somos apenas memória.<br />Guardamos segredos que tentaram esconder.<br />Não vemos o futuro, mas temos certeza<br />Que seu destino lhes guarda aventuras e prazer.<br /><br />Adeus meus senhores não diremos mais nada<br />Que possa incutir dúvida em sua mente.<br />Sigam sua vida de maneira inesperada<br />E que morfeus os aceite no sonhar novamente.<br />______vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-20513854431353282512012-06-06T14:40:00.001-03:002021-06-11T10:34:00.428-03:00O Rastro da Sombra Rubra – Um conto nos mythos de Cthulhu<div style="text-align: justify;">
Não houve sequer um dia em minha vida que aquele terror do passado não viesse à minha frágil mente. Nas horas sombrias da noite, as imagens funestas de meu passado me assombram, com seu rastejar maldito e os sons guturais que permeiam o que ainda sobrou de minha debilitada sanidade.<br />
<br />
Passei uma boa parte de minha juventude em uma casa de reabilitação mental, um manicômio, caso queiram usar o jargão popular, minha família não acreditou em mim, nem os médicos ou meus amigos, apenas Samanta sabia que eu dizia a verdade e ela estava em pior estado do que eu, quando nos encontraram. <br />
<br />
Já faz três anos que ela morreu e eu agora estou velho e indo ao seu encontro, assim como também me reencontrarei com minha saudosa esposa Odete e meu filho Júlio, que faleceu ainda jovem, devido à pneumonia.<br />
<br />
Conto o que aconteceu porquê mais cedo ou mais tarde, quando a noite derradeira se apossar de mim, a fazenda, que é de minha posse, no interior do estado, será passada aos meus descendentes, e eu não desejo que eles entrem naquele terreno amaldiçoado.<br />
<br />
A muitos anos eu era um jovem estudante de direito e andava sempre com o mesmo grupo de amigos, também jovens, inteligentes, audaciosos e com uma queda para o estudo das artes ocultas. E foi Milton que encontrou o ídolo de marfim semelhante a um disforme touro com oito patas e cabeça de besouro. Foi ele que invadiu a biblioteca da universidade e durante a noite estudou o profano livro de magias conhecido como De Vermis Mysteriis. E foi Milton que nos convenceu, sem muito esforço devo admitir, a fazermos o ritual de conjuração da entidade que era aprisionada no ídolo.<br />
<br />
Todos aceitamos com entusiasmo, mesmo descrentes de que haveria realmente uma entidade naquele pedaço de marfim. Valeria a viagem, a diversão e uma folga dos terríveis afazeres que havia na faculdade. Eu ofereci uma fazenda, de posse de minha família, no interior, para compormos aquele jogo e para lá nos deslocamos.<br />
<br />
Tudo era levado com seriedade pela maior parte do grupo. À exceção de Samanta, que estava lá apenas para nos premiar com sua bela aparência e formas esculturais, que ainda possuía uma extrema capacidade de raciocínio e observação. <br />
<br />
A noite era perfeita para aquilo que achávamos que seria apenas uma brincadeira. Lua cheia, nuvens distantes e o brilho constante de relâmpagos no horizonte. Desenhamos os símbolos necessários para aquele ritual, acendemos várias velas e nos sentamos na borda dos desenhos. Estávamos em um dos quartos que ficavam no andar de cima da casa principal da fazenda. <br />
<br />
Milton iniciou o cântico profano. Em suas mãos estavam as anotações do livro De Vermis Mysteriis. Eram páginas copiadas com paciência, repletas de marcas e guias que não permitiriam ao conjurador, a figura do Rei, a pedra, o sol, de se perder. Milton havia lido exaustivamente aqueles parágrafos medonhos por noites a fio.<br />
<br />
A voz de meu amigo era ritmada e as palavras pronunciadas em uma mistura de um latim precário, com passagens em árabe e trechos em uma língua que não eu reconhecia por completo, mas que provavelmente era dos homens de Leng, com sons assobiados e uma melodia ininteligível aos meus ouvidos.<br />
<br />
Até aquele momento tudo não passava de uma sombria brincadeira. Samanta soltava discretos risinhos ao meu lado, mas Judite sentia seus ossos doerem. Era possível escutar o chacoalhar de suas pernas, braços e mandíbula. Ela, que obviamente estava naquela situação apenas por gostar de William, perdia suas forças à medida que o tempo passava.<br />
<br />
Quanto a mim, eu ainda era um cético com um toque de estranheza. Eu via aquilo como uma grande farsa, um jogo muito bem orquestrado por Milton.<br />
<br />
Quando o pequeno ídolo de marfim começou a soltar um constante zumbido, e a luz das velas pareciam se movimentar com um vento fantasmagórico que não soprava e não sentíamos, então sim, comecei a duvidar que meu ceticismo e minha descrença fossem realmente tão arraigadas aos meus conceitos. Um sorriso nervoso brotou em meus lábios, o suor fluía de minhas têmporas e de minhas mãos, tornando-as escorregadias, o que deixava difícil segurar a pequena faca e o pedaço de corda grossa de cânhamo com um nó simples que eu deveria manter firme durante todo o ritual.<br />
<br />
O cântico continuava e sua intensidade crescia a cada palavra proferida. Milton era tomado pelo prazer de fazer parte daquele caminho que não deveria ser percorrido. As palavras eram gritadas e os olhos de meu amigo estavam tão abertos que parecia que seus globos oculares saltariam de suas órbitas.<br />
<br />
Samanta gargalhava como uma louca, gargalhava de uma forma que não conseguia se conter. Seus dentes expostos em um sorriso macabro, sua respiração trabalhando parcamente entre um surto e outro de risadas histéricas, seus olhos estavam extremamente vermelhos, marejados, possuíam uma aparência demoníaca. Recordo-me hoje, posso dizer, que ela estava fora de si, mas de alguma maneira parecia que pedia ajuda, gritava por socorro, com aquele olhar assustador.<br />
<br />
Judite mostrava um comportamento extremo como o de Samanta, mas de outra maneira, ela chorava copiosamente. Chorava tão intensamente que suas lágrimas banharam seu vestido. Seu corpo tremia cada vez mais, de uma maneira que eu jamais havia visto na vida. Eu queria ir em seu auxílio, mas não conseguia me mover, ou não queria me mover, ou tinha medo de me mover, não sei precisar. Ainda vejo em minha mente, agora, mesmo anos depois, como ela colapsou no solo, debatendo-se tal qual uma mulher possuída por seres imateriais. Seus braços e pernas chocavam-se tão violentamente contra o solo que não demorou muito para ouvirmos o som característico de ossos partindo, mesmo com todas as palavras gritadas por Milton. E ainda com os ossos quebrados e berrando de medo e dor, o espetáculo macabro não se findou, pois Judite não se acalmou e continuava em seu embate sobrenatural.<br />
<br />
Aqueles movimentos inumanos, próximos do impossível, traziam-me náuseas, que tornaram a profusão do suor mais intensa, ensopando meus trajes, fazendo-me sentir imundo. Minha garganta estava seca, arranhava a cada respiração e o vento inexistente soprava mais forte levando a luz cada vez mais para próximo do ídolo de marfim, que zumbia, zumbia, zumbia e nos deixava loucos.<br />
<br />
Segurei com força os objetos que estavam em minhas mãos e busquei ignorar as sombras dantescas que se formavam ao nosso redor. Imagens fugidias de criaturas não nascidas apareciam e desapareciam nas paredes e eu poderia jurar que buscavam mastigar minha alma. <br />
<br />
Aquela torrente de informações nos açoitava mais e mais e então o ídolo de marfim tornou-se azulado e depois vermelho e por fim se rachou em cinco distintos pedaços.<br />
<br />
Milton cessou seu cântico e deixou seus braços caírem ao seu lado. Samanta conseguiu controlar seus risos histéricos e respirava profundamente, extremamente cansada, enquanto Judite não esboçava nenhum sinal, não se movia, não parecia estar viva. Eu prendi a respiração.<br />
<br />
Foi quando vimos que Judite começou a se movimentar, contudo ela se movimentou de uma maneira inimaginável, e mesmo naquela luz bizarra percebemos que seu corpo inerte era levantado ao ar por presas obscuras, de formato duvidoso, mas com força suficiente para arrancar grandes nacos de carne do corpo de Judite.<br />
<br />
O grito que Samanta proferiu ao ver nossa amiga ser devorada nos despertou daquele torpor de assombro. Segurei o braço de Samanta e a puxei para fora da casa. Não tenho vergonha de dizer que eu estava apavorado, que o medo que eu sentia daquele mal sobrenatural me deu forças para correr daquele lugar maldito.<br />
<br />
O desespero então se apossou de mim. Olhei para trás uma vez e vi a sombra disforme que se movimentava de uma maneira completamente diferente do que eu já havia visto. Havia patas que patiam no solo como o tambor tocado por mil homens condenados, mas não se movimentava apenas com elas, também se arrastava com sua enorme barriga, de cor de sangue, um sangue vermelho escuro, apodrecido, que exalava um fedor macabro, vindo direto dos reinos da morte. O arrastar era muito mais angustiante do que o andar. E eu corri, como jamais havia corrido em toda minha vida.<br />
<br />
Samanta caiu e recebeu um corte profundo na parte interna da coxa. Gritou de desespero e dor, admito que por muito pouco não a deixei lá. O medo que preenchia meu corpo era tão avassalador que eu não conseguia pensar direito. Exitei, parei por um momento e com forças que me eram desconhecidas consegui fazê-la correr novamente. Não importava a quantidade de sangue ou a dor que ela sentia, ela devia correr, e correr o mais veloz que seu corpo aguentava.<br />
<br />
O andar macabro e o rastejar alienígena da monstruosidade se aproximavam e quando veio num átimo que não haveria salvação, a criatura parou de nos perseguir. Observei incrédulo aquela besta abissal urrar de ódio e fome, aquele som me deixou com os cabelos brancos instantaneamente, mas vi que ela não chegou a atravessar o pequeno regato que havíamos ultrapassado poucos instantes atrás.<br />
<br />
Não perdemos tempo especulando sobre se seria possível ele atravessar ou não aquela corrente de água, fomos embora, mas nossas mentes estariam maculadas para sempre com a consciência da existência daquele horror, que agora vagava pela terra onde nasceram meus avós.</div>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-24423405359776839772012-06-04T08:39:00.001-03:002012-06-04T09:41:20.660-03:00As Crias de Vesta Draconis - Um conto de ficção científica<div style="text-align: justify;">
O traçado fulgurante dos torpedos de fóton riscavam aquele céu negro, pontilhado de estrelas, espantosamente brilhante e com um belo planeta verde avermelhado, repleto de fabricas e vida, como pano de fundo. A emboscada foi perfeita, nenhuma das muitas horas de cálculo haviam sido desperdiçadas. Todas as naves foram transportadas sem falhas para o sistema Plena XI e o alvo estava no lugar estimado, em tempo de cálculo de transporte, parados, graças aos vários espiões do Sefirot do Conglomerado Mainard além das fronteiras do Qlifot do Principado da Estrela da Manhã.<br />
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Como deveria ser todos estavam confiantes e assim que os motores de hiperpropulsão emitiram seus estampidos característicos da desaceleração, a uniformidade da esquadra foi verificada, a contagem e sinalização pós salto foi acionada e as comportas de torpedos e silos balísticos foram abertos. De imediato os milhares de raios de ondas coloriram o espaço com sua claridade magnificamente cegante, quase inutilizando os sistemas primários dos dez grandes transportadores de tropas que eles atingiram. Alvos grandes, lentos e fáceis, mas não menos perigosos.<br />
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Os campos eletromagnéticos que circundavam as naves de transporte se incendiavam com o choque dos raios e geravam um grandioso espetáculo bélico. Nem mesmo as auroras de Beta Antaris eram tão fascinantes, embora aquele visual era etéreo e rapidamente se desfazia, em radiação e centelhas incandescentes, apenas para preparar o terreno para receber o voleio de cargas explosivas em seus cascos enfraquecidos.<br />
<br />
As explosões fotônicas não poderiam ser jamais descarregadas em atmosfera planetária, não de acordo com os regulamentos assinados entre os senhores dos setores mas ali naquele espaço cósmico, geravam interferências em todos os instrumentos não mecânicos, isso tornava impraticável os saltos e impossível as comunicações convencionais entre as naves das duas frotas.<br />
<br />
Quando os cascos dos dois primeiros transportadores racharam, expondo suas entranhas de metal, elas expeliram para o vácuo gelado e radioativo os milhares de combatentes que eles carregavam.<br />
<br />
Muitos dos corpos daqueles homens e mulheres eram vaporizados instantaneamente quando os raios de ondas rasgavam o espaço, desintegrando as estruturas menos densas e queimando como uma fornalha radioativa contra os resquícios dos campos gerados pelas naves.<br />
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Era esplendoroso, o auge da tática, o início de uma vitória naquela batalha.<br />
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A gravidade do enorme planeta “abaixo” compunha as notas finais naquela sinfonia de luzes e explosões, atraindo para si as carcaças das enormes aves de metal e porcelana abatidos em combate.<br />
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Trinta de nossas naves da classe Leviatã não haviam sofrido qualquer tipo de avaria nos primeiros minutos do ataque. Nas naves da classe Beemote e Ziz as baixas eram mínimas, não mais do que dez naves secundárias e vinte e três terciárias.<br />
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A resposta de fogo do Qlifot veio inconstante e debilitado, com raios de ondas supra moduladas e ortogonais múltiplas, que tiveram a sorte de atravessarem sem interferência alguns dos campos eletromagnéticos de seis Leviatãs. As tripulações foram abatidas imediatamente, cozidas pelas microondas. Os heroicos tripulantes não sofreram ao padecer, pois sabiam dos riscos de sua missão. As Leviatãs afetadas remodularam mecanicamente seus campos e não tiveram seu interior aberto ao espaço, mesmo quando os torpedos do inimigo acertavam seus cascos. A tecnologia inferior do Qlifot não era páreo para nossos armamentos e defesas.<br />
<br />
Durante aquele embate os matemáticos práticos haviam repassado as informações de posicionamento, gravidade e todas as variáveis cabíveis e importantes para o controle de armamentos. As coordenadas para os mísseis de plasma estavam calculadas e o trabalho manual dos marinheiros era extremamente coordenado. Os mísseis saíram de seus silos a velocidades enormes, mas ainda sub luz. Quando suas cargas mortais engolfaram as naves inimigas, novos sóis surgiam por vários segundos. A maior parte dos escudos deles aguentaram aquele castigo, entretanto houve o derretimento incontinênti de dois outros transportadores.<br />
<br />
O fascínio que aquele espetáculo gerava em nossos marinheiros deve ter sido superado apenas pelo medo no coração dos atingidos pelo fogo.<br />
<br />
E foi assim, que durante toda a primeira parte daquela emboscada que não houve reação útil contra a armada e então naquele momento, centenas de milhares de minas de quantum foram despejadas no espaço, no weltraum. Era uma tática arriscada, que havia sido prevista por nossos matemáticos com chance de acontecimento de menos de um porcento. Minas de quantum são armas incontroláveis e não tendiam a obedecer seus senhores, todavia aquelas aberrações, de alguma maneira demoníaca pareciam seguir ordens bem estruturadas. Com a atração magnética elas seguiram para a frota Sefirot<br />
<br />
As implosões de quantum arrancavam enormes quantidades dos cascos das Leviatãs e Beemotes e praticamente engoliam as naves da classe Ziz. Nos sensores que ainda funcionavam notávamos muitos capitães desaparecerem da existência durante aquele ataque.<br />
<br />
As armas de ondas foram recalibradas com rapidez e competência para atingirem as minas, enquanto os torpedos de fóton e mísseis de plasma, o suprassumo do armamento do Sefirot continuavam a castigar a armada Qlifot.<br />
<br />
A almirante Vesta, que até aquele momento mostrava-se completamente confiante no desenrolar dos planos conforme traçados, fez o primeiro movimento fora da precisão matemática que era sugerida pelos estratégicos até o momento. Seus comandos fizeram jus ao nome que carregava, sua genialidade era conhecida por todos os pontos da galáxia, de todos os lados das guerras que eram travadas nesse período histórico da humanidade.<br />
<br />
Através da comunicação mecânica as primeiras ordens foram difundidas. Os feixes de raios de todas as naves do Sefirot cessaram simultaneamente. Toda energia foi transferida para os geradores de campos. A interferência eletromagnética foi cortada e as ordens completas passadas diretamente a 10 naves Beemote e 20 naves Ziz, além de um dos enormes Leviatã.<br />
<br />
Não houve hesitação quando as ordens foram recebidas. A comunicação entre os capitães e seus subordinados ocorreu sem demora e mais que prontamente as naves de colocaram em movimento. Em cada uma das embarcações a canção dos heróis foi cantada e seus escudos ampliados ao máximo de suas potências.<br />
<br />
As outras naves reiniciaram o disparar incessante de raios, de torpedos e mísseis. Já os responsáveis pelo movimento fizeram um bloqueio, chamando para si todas as minas de quantum possíveis. As implosões pareciam não ter fim. Em menos de dez minutos os capitães e suas naves foram dizimados. Não havia mais minas de quantum nas proximidades. O ataque da armada do Sefirot então não teve mais limites. Não seria mais possível exterminar todos os transportadores, mas nem todos sairiam ilesos.<br />
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Um a um os gigantescos transportadores eram abatidos.<br />
<br />
Então uma enorme boia de bolha de salto foi ativada e duas das naves do Qlifot conseguiram saltar e fugir. Era o fim da batalha.<br />
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A cena que se seguiu mostrava a força, a capacidade e a extensão do poder do Sefirot do Conglomerado Mainard. As naves entravam em formação mais uma vez e a sinalização feita para que os cargueiros de salvamento e limpeza, da classe Carniceira, viessem resgatar todo o metal e corpos das embarcações abatidas. Tudo o que não havia sido consumido pelo fogo matemático ou pela gravidade do planeta, deveria ser reutilizado ou levado para os serviços religiosos oficiais. Nossos homens e mulheres que morreram em serviço seriam velados como heróis.<br />
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Segundo estimativas mais de três milhões de soldados do Qlifot do Principado da Estrela da Manhã foi morta e não menos do que quinhentos mil membros do Sefirot perderam sua vida naquela batalha.<br />
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Em nossa nau capitânia a sagrada bandeira do Conglomerado Mainard foi hasteada, o hino do Conglomerado foi entoado alto e claro, reforçando a confiança que tínhamos na fé do Sefirot. Ainda éramos conhecidos como os temidos Crias de Vesta Draconis, o melhor batalhão de todo o weltraum e que nossos inimigos tremam quando ouvirem nosso nome.<br />
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Cárdu Remo, jornalista oficial do sagrado Sefirot do Conglomerado Mainard.</div>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-12463510560409070802012-05-22T11:31:00.000-03:002012-05-22T11:31:48.332-03:00A Casa - um conto curto de Mago o DespertarA casa era velha, maltratada, realmente sem cuidados, mas mesmo com tantos detalhes negativos, ainda se percebia que quando foi construída, o luxo imperava em seu interior.<br />
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Após a morte de seu idealizador, um velho octogenário cujos sentimentos de adoração pela casa sempre foram imensuráveis, ela adormeceu e em seus sonhos atraía toda a sorte de vida para partilhar com eles a consciência de sua existência, para protegê-los das intempéries do tempo, da insegurança do lado de fora. E ela os protegia e os impedia de viverem além de suas paredes, e então eles pereciam... E então ela arranjava novos moradores, para proteger.<br />
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- Dekla, me conte novamente o motivo imbecil pelo qual nós viemos aqui hoje.<br />
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- Para saber por que o gato de Hesat não retornou para casa nos últimos quatro dias.<br />
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- Muito bom saber disso. É muito bom saber que eu transcendi às barreiras da realidade, ultrapassei os domínios do abismo, escrevi meu nome na Torre do Espinho Lunargent, canto a canção de Arcádia, e controlo o Tempo e o Destino de nações simplesmente para encontrar a merda de um gato?<br />
<br />
- Você é muito melodramática Meza. Você sabe muito bem que a “merda” do gato está vivo a mais tempo do que nós quatro juntos e que ele conhece mais segredos do que seu mestre.<br />
<br />
- Um absurdo! Um absurdo!<br />
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- Ah, cala a boca, ninguém te chamou para vir conosco, você veio só porque teve aqueles sonhos escrotos e ficou com medo.<br />
<br />
- Parem vocês dois. Meza Virs, fique quieta, você devia estar aqui hoje, você sabe disso. Indra, pare de pegar no pé dela, senão vai se ver comigo... E com Hesat.<br />
<br />
- Merda. A merda do gato está aí dentro dessa tapera, dessa casa caindo aos pedaços?<br />
<br />
< entrem... entrem... entrem... aí fora é perigo... entrem ><br />
<br />
- Ahura, você pode fazer alguma coisa para impedir que a casa caia em nossas cabeças quando entrarmos nela?<br />
<br />
- Sem problemas, chefe.<br />
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- Vamos entrar. Olha, a porta está aberta, só pode ser o destino mesmo. Hehehe.<br />
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- Que cheiro podre é esse? Ahura, não tomou banho hoje?<br />
<br />
- Mesmo com essa piada infame, de certa forma ainda está certa. Há morte por aqui.<br />
<br />
< fiquem... durmam... eu protejo... ><br />
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- Quem fechou a porta? Bater essa porta desse jeito vai trazer o teto abaixo! Quem foi o imbecil?<br />
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- Merda... O gato tá morto.<br />
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< ele queria sair... gatinho... lá fora é perigoso... eu cuido... eu cuido de vocês também ><br />
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- Quem trancou a porta? merda! Ela não abre de jeito nenhum. Tentei apodrecer a porta, mas não consegui. Tem algo muito errado aqui.<br />
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< isso machuca... eu não importo... eu cuido... mesmo quando machuca eu cuido... ><br />
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- É só eu ou alguém mais acha que estamos com problemas?<br />
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- Tem uma Fronteira aqui. E acho que alguém, ou alguma coisa não quer que saiamos.<br />
<br />
- É. Estamos realmente com problemas, e por causa da merda de um gato.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-67818735315655121962012-05-16T10:56:00.000-03:002012-05-16T11:06:31.564-03:00Atormentado - Um conto do Mundo das TrevasO canto ritmado na língua hebraica afastava o frio sobrenatural daquele junho seco. Todas as treze pessoas que formavam o círculo vestiam túnicas de um vermelho intenso, algo que se tornava espectralmente chamativo à luz das cento e trinta e nove velas que iluminavam aquele grande quarto, no segundo andar do belo casarão.<br />
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O bem cuidado lote de terra ficava em um dos pontos mais altos daquele lugar, o que proporcionava uma vista sem igual de praticamente toda a região, mas os cultistas, seguidores da cabala negra, denominados “O Gosto do Lírio de Baphomet”, que nesse momento entoavam o cântico cadenciado de evocação de uma das sombras de Nahemoth, não estavam preocupados com a bela vista que aquela chácara oferecia, e mesmo que estivessem dispostos a olhar a paisagem não poderiam, pois a decoração funesta que preenchia todo o quarto também havia se fixado às janelas e cortinas, grossas e pesadas.<br />
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Para a evocação do ritual foram afixadas línguas humanas por todo o cômodo, que se prendiam às paredes com pregos de ferro, velhos, já enferrujados, feitos por mãos diabólicas, mãos que jamais tocaram este mundo.<br />
<br />
Um forte cheiro de sangue e incenso penetrava nas narinas dos cultistas e isso os entorpecia, transpondo seus sentidos para um outro mundo, um mundo de sombras, alucinações, criaturas não-nascidas e que jamais morreriam.<br />
<br />
Suas vozes absortas em suas próprias essências atravessavam as barreiras que separam os mundos, formando um túnel etéreo por onde a voz de sua líder, Demetra Kandake, ali conhecida como Sophia Maior, pudesse percorrer o infinito e encontrar uma única entidade dentro daquele mar caótico e primordial, e como tiros que iluminam a escuridão astral, a voz de Sophia Maior tocou como um soco a existência de Nahemoth, que se virou e observou a passagem etérea.<br />
<br />
Em uma das pontas desse túnel inexistente estava Nahemoth, um dos anjos negros e na outra ponta, desacordado, ferido, indefeso, estava Paulo Marley, que seria entregue em sacrifício para que sua alma alimentasse de mortalidade uma sombra da entidade, uma parte ínfima, do todo que é Nahemoth, e essa sombra permaneça próxima do mundo físico, no intento de que as ambições do Gosto do Lírio de Baphomet e de sua sacerdotisa, Sophia Maior, fossem alcançadas. Contudo o grande erro dos mortais é confiar plenamente em suas capacidades de compreender entidades e mundos além de seu escopo de existência.<br />
<br />
A canção funesta, composta por frases proibidas e palavras dignas de ojeriza, ganhou mais corpo, e num crescendo maldito chegou a seu ápice quando a faca, extremamente bem decorada com detalhes mórbidos e nomes blásfemos e de fio impecável, percorreu o espaço, guiada pelas mãos unidas de Sophia Maior, penetrando profundamente no peito nu da oferenda ao anjo negro.<br />
<br />
Paulo Marley sentiu a lâmina fria em sua carne e tentou em vão, apenas por um instante, muito mais por ato reflexo do que por consciência do que fazia, se desvencilhar de sua posição. Não conseguiu e no momento seguinte imaginou sua alma deixando seu corpo e sua vida se esvaindo.<br />
<br />
Antes de sua morte final teve consciência da presença negra de Nahemoth, de uma idéia de fragmento da sombra, alojar-se em seu íntimo.<br />
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E então morreu.<br />
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Na mesma noite, os cultistas levaram o corpo da vítima do sacrifício para um lugar ermo e lá o enterraram, deixaram seu cadáver oculto, onde jamais pudesse ser encontrado, perdido para sempre, sem identidade, sem paradeiro para seus conhecidos.<br />
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Três noites depois do ritual, a terra do sepultamento profano se revolveu e revelou um ser atormentado, com uma partícula demoníaca de existência extradimensional a amaldiçoa-la com vida, uma vida morta, sem calor, sem amor, apenas a dor de estar morto. A fome que Paulo sentiu era profunda e excruciante e ele sabia onde deveria se alimentar.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-16421137158119580812012-05-15T11:36:00.003-03:002012-05-17T10:58:52.377-03:00Brasília: O Planalto SelvagemA alguns anos narrei uma campanha no cenário Lobisomem: os Destituídos (Werewolf: the forsaken). Então escrevi essa história em 2007 e a postei no site <a href="http://vankman.atspace.com"> <font color="yellow">http://vankman.atspace.com</font></a>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-31453729991704208792012-05-15T11:09:00.000-03:002019-04-16T14:20:18.395-03:00Sons no Cosmo - Um conto de ficção científica<b>Nunca havia silêncio no espaço cósmico.</b> Podia haver paz, tranquilidade, calma e a mais completa e extrema solidão, mas silêncio jamais havia. Naquele vazio sem fim, margeando um sistema estelar a quase mil anos luz de distância de sua casa de verdade, o tenente Carlos Andrade pensava nos sons que ouvia - o zumbido do reator da nave, constante, melancólico, confundindo-se com os sons do sistema eletromecânico, os sons dos filtros de ar e água, do péssimo sintetizador de alimento, que ninguém chamava de sintetizador de comida, pois comida tem cheiro, sabor e textura agradável, e não aquela pasta insossa e desagradável, a razão do porquê mais de 90% do que era consumido na nave era trazido à bordo já semipreparado, e apenas quando acabava a comida é que os tripulantes se viravam para o que eles apelidavam de lixo. A maior parte dos cosmonautas entrava em depressão ao final de viagens longas ou com excesso de tripulação por causa do que teriam de comer ao final da jornada. Mesmo quando estavam fora da nave, nos trajes de passeio em gravidade zero, havia o barulho da respiração e das fortes batida do coração, mas silêncio mesmo nunca existia. Andrade postulava que o barulho era algo inerente à vida, aonde o ser humano ia na imensidão negra do cosmos, o som estaria sempre lá, como companheiro.<br />
<br />
O Ten. Andrade era engenheiro eletromecânico da espaçonave de apoio científico e pesquisas Ganimedes, e naquele momento ele estava em um bom período de folga, lendo alguns textos técnicos, revendo as plantas e projetos das principais partes da nave que era responsável e ouvindo os canais de comunicação quando, entre uma página do guia Hoffen-Kaneda de refrigeração de motores e um capítulo de Uma Breve História do Mundo, ele quase despercebidamente ouviu um chamado bem diferente dos corriqueiros pedidos de ajuda e manutenção nas transmissões de outras naves com problemas. O sinal estava fraco e cheio de interferências, apesar dos mostradores indicarem uma portadora bem feita e razoavelmente próxima, menos de cinquenta anos luz. Não se via nitidamente a imagem do transmissor, apenas um borrão repleto de deformidades e quadrados pretos e um som preenchido com estática.<br />
<br />
“Olá, tem alguém me ouvindo? Olá?”<br />
<br />
A voz era feminina, dava para perceber mesmo com toda interferência.<br />
<br />
“Se houver alguém me ouvindo, responda”.<br />
<br />
Andrade afastou os documentos que lia e se fez a requisição para ampliar a qualidade da comunicação. “Aqui é a nave de apoio Gamimedes, você está em um canal de comunicação oficial, mude para os canais públicos imediatamente”.<br />
<br />
“Finalmente! Alguém me ouviu!”<br />
<br />
E então imperou a estática. Andrade ignorou a súbita perda da comunicação e mesmo com a curiosidade que se instaurou, ele colocou o modo de transmissão em segundo plano e trouxe os documentos que lia anteriormente. À noite, os geradores de campo embalavam o sono do tenente.<br />
<br />
O incidente já havia desaparecido de sua mente a mais de uma semana quando durante o almoço, a comandante tenente Delacroix comentou com o primeiro sargento Gaziri sobre uma transmissão em canal oficial proveniente de pessoa não autorizada, que desapareceu tão rápido quanto surgiu.<br />
<br />
Andrade então procurou os registros da primeira comunicação de dias atrás e os comparou com os do horário dito pela comandante. Então modificou dois dos comunicadores terciários para reforçarem os sinais do tipo de portadora utilizado e confeccionou gatilhos para enviarem respostas automáticas conforme houvesse uma conversação.<br />
<br />
E no terceiro dia após as modificações, quando chegou a seu quarto, o sinal de disparo do gatilho estava alarmado. Mais que rapidamente chamou a comunicação gravada. A estática foi atenuada graças aos filtros Mitesh instalados nos comunicadores. Até mesmo a imagem tornava-se menos embaralhada e mostrava uma moça jovem, que aparentava pouco mais de vinte anos de idade, com curtos cabelos castanhos e olhos de cor violeta.<br />
<br />
“... aqui é Naili, falo de Katrin, cidade estado do continente secundário de Titânia Primus.”<br />
<br />
“Aqui é o tenente Andrade, da nave de apoio Ganimedes, você sabe que está em um canal não autorizado para civis.”<br />
<br />
“Oh céus, sim, escutei isso, mas não consigo um canal diferente, nenhum deles atravessa os campos, tem muita interferência ultimamente.”<br />
<br />
“O que você quer Naili?”<br />
<br />
“Quero apenas conversar com o mundo externo.”<br />
<br />
E então a comunicação cessou. Andrade congelou a imagem de Naili e adicionou novos filtros para coloca-la mais nítida, e viu que ela era uma mulher que fazia sua respiração mais intensa e profunda. Deitou-se ainda com a visão dela pairando sobre ele. Os estalos distantes de manutenção não atrapalhavam seus pensamentos e então dormiu profundamente.<br />
<br />
Por mais de três meses padrão o Tenente Andrade e Naili conversaram todos os dias. Ou em tempo real ou através dos gatilhos de gravação. Ela contava sobre sua vida, sobre seus estudos, de suas pesquisas em psicologia, de como o sol estava sempre belo em seu planeta e de como seu povo era extremamente fechado, praticamente xenofóbico, dentro de seu próprio mundo. Falava que não queria mais ficar ali, nem gostaria de ter filhos naquele lugar tão distante, que apesar muito bonito, a fazia se sentir isolada.<br />
<br />
Ele falava sobre sua profissão, seus gostos, sua paixão pelo som do cosmo e como o irmão mais velho o influenciou a entrar para a frota, depois que ele se formou em engenharia e dizia que em menos de um mês voltaria para a principal porção de terra de Delia Argenti, a lua habitável de Epsilon Major, seu sistema natal. Falar de ir embora, algo que ele desejou por tanto tempo, agora doía um pouco, pois ele sabia que um sinal com aquela qualidade não conseguiria ser direcionado para seu lar.<br />
<br />
Os dias passavam e eles se tornavam mais íntimos com o tempo. Durante seu turno de trabalho Andrade lutava para retirar a voz e imagem de Naili de sua mente.<br />
<br />
Faltavam apenas dezesseis dias para a Ganimedes retornar para a base estacionária em Epsilon Major para iniciar a troca de tripulação, quando um chamado corriqueiro de trabalho chamou a atenção do tenente Andrade. No sistema de comunicação interna da espaçonave o capitão Vital anunciava a partida para a manutenção e apoio a um gerador importante no planeta Titânia Primus. Seu coração bateu com mais força, sua mente elevou-se. Ele parou para prestar atenção ao ambiente, na esperança inútil de conseguir escutar o som dos cálculos quânticos serem feitos para a viagem entre os sistemas estelares. Após horas de matemática quântica e de armazenamento de informações, os motores foram disparados e em menos de um dia ele estava finalmente em frente ao imenso planeta azul esverdeado chamado de Titânia Primus.<br />
<br />
Quando a comunicação retornou, Andrade chamou imediatamente o sistema para avisar a Naili de sua chegada. Ela deu saltos de felicidade, alegria real, vívida. Ele se sentia nervoso e feliz. Eles marcaram as coordenadas para se encontrarem.<br />
<br />
Enquanto a equipe de manutenção do gerador iniciava o preparo, Andrade pegou uma nave de abordagem e se dirigiu para o ponto de encontro que haviam acordado.<br />
<br />
O céu em Titânia Primus brilhava mais do que ele imaginava, ligeiramente diferente do que via nas transmissões cósmicas, o planeta era quente demais para aguentar alguns tipos de vida sobre sua superfície. Não estranhamente os veículos que via eram lacrados. Ele aportou no prédio onde ela morava. Desceu da nave de abordagem e andou por corredores que eram iluminados por luzes indiretas, que mais pareciam iluminação auxiliar, no prédio havia um sistema de resfriamento que fazia seus ossos congelarem, aquilo era uma mudança de clima brusca em relação ao mundo externo.<br />
<br />
Andrade viu milhares e milhares de pequenos contêineres que se empilhavam uns sobre os outros. Olhou para o comunicador portátil onde Naili sorria, e então seu sorriso desapareceu, dando lugar a uma face de dúvida e consternação. Ela perguntou por quê o rosto de Andrade estava tão triste e distante.<br />
<br />
“Naili, infelizmente não poderei te encontrar. Meu comandante exige que toda a equipe se empenhe na manutenção do gerador, caso contrário poderia haver uma catástrofe. E infelizmente, após essa manutenção iremos embora imediatamente, pois houve um chamado de igual intensidade em outro planeta”.<br />
<br />
O tenente Andrade subiu na nave de abordagem e partiu para Ganimedes.<br />
<br />
Naili não entendeu o que havia acontecido e chorou muito por não ter visto seu querido Carlos Andrade naquele dia. Contudo quando ela voltava à encontra-lo de serviço, durante os anos que se seguiram, sempre conversavam animadamente. Não viveram um amor carnal, mas sempre mantiveram um amor fraterno, carinhoso e uma amizade que transcendia a ambos. Ela se casou e teve filhos e colocou o nome do mais velho de Carlos.<br />
<br />
O tenente Andrade jamais contou a ela que quando ele aportou no planeta viu que eram uma sociedade lacrada, um grupo de pessoas que por gerações mantinham suas vidas dentro de uma realidade virtual comunitária. Tantas foram essas gerações que eles já não tinham noção de que estavam presos a máquinas. Para eles, aquilo que viviam era real. Durante o pouco tempo em que esteve em Titânia Primus, Carlos tocou o esquife onde estava o corpo físico de Naili e pela primeira vez na vida sentiu o que é silêncio.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-74246868053269309892012-05-11T09:20:00.004-03:002012-05-16T11:07:33.432-03:00Invisível - Um conto de Mago: o DespertarEvandro andava aos tropeções pela rua acidentada, caminhava de maneira vacilante e quase perdia o frágil equilíbrio sempre que mudava a superfície onde pisava, fosse grama, asfalto, concreto ou terra. Seus pés doíam todas as vezes que tocavam o solo. Estavam rachados, feridos, praticamente em carne viva. O rastro de sangue poderia ser seguido por mais de dois quilômetros, contudo nenhum dos passantes parecia notar aquela trilha funesta, nem o homem da qual ela se originava.<br />
<br />
As mãos de Evandro tremiam incontrolavelmente, descrevendo minúsculos círculos, os quais apenas uma pessoa muito atenta perceberia que eram círculos perfeitos. E então retornavam ao caos do descontrole.<br />
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Os olhos estavam marejados e carregavam uma dor nunca antes sentida por aquele homem, uma dor espessa, densa, que motivava, que maltratava e torturava, Evandro era apenas uma sombra do que um dia foi.<br />
<br />
"Continuar" ele tentava falar com sua boca aberta, de onde brotava uma saliva grossa e amarelada. "Continuar" ele tinha certeza de que tentava dizer, entretanto nada era pronunciado, a não ser um tênue som gutural, que dava àquela patética criatura um ar abobalhado.<br />
<br />
Evandro andava com seus pés feridos e descalços e ninguém o notava.<br />
<br />
Não havia lucidez em sua mente e fragmentos de desorientação o impulsionavam em direção do abismo que nunca se revelava. A queda que às vezes almejava não vinha. Ela jamais se aproximava, mas Evandro era resoluto, ele chegaria à beira do precipício antes de se tornar completamente absorto de suas faculdades.<br />
<br />
Mas era a dor sua maior motivadora. Uma dor aguda que subia por dentro de suas pernas, penetrava no interior de seus ossos, continuava incansavelmente por sua coluna, chocava-se com brutalidade contra a junção do pescoço e distribuía-se irrestrita pela mente do homem que a não mais de três dias foi um excelente músico, cuja técnica era reconhecida fora de seu território característico.<br />
<br />
A cada dez passos, exatamente dez passos, um clarão de consciência o apavorava, mostrando quem ele foi antes de se entregar àquela canção sem esperanças.<br />
<br />
E após uma infinidade de passos de dor e um punhado de pequenos pedaços de consciência, o imundo homem, que já tocou o coração de seu fiel público com suas músicas, finalmente alcançava o limite do abismo.<br />
<br />
Seu olhar foi em direção ao chão, reforçando a aparência de dor. Cinco voltas em círculos com exatamente um metro de raio, foram dadas. E após tudo o que havia passado o passo final em direção à escuridão do abismo seria dado. Apenas mais um passo para encontrar a liberdade e as dádivas que lhe haviam sido prometidas, um único passo para se encontrar.<br />
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Foi então que a voz abissal se fez ouvir.<br />
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“Não dê esse último passo” dizia a voz, com seu tom profundo, com a convicção dos perfeitos.<br />
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“Por favor” vieram as palavras à sua mente, e tudo o que foi capaz de pronunciar foram vogais sem nexo. “Ele não me ouviu” Evandro pensou.<br />
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“Não haverá permissão para tua queda. Não te permito que entre na escuridão”.<br />
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“Por quê?” a pergunta se formou quase nítida em sua cabeça iluminada por um momento de diminuição da dor.<br />
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“Porque ainda há, em tua terra, quem te perceba. E para entrar em mim, apenas os verdadeiramente ignorados tem o direito”. A voz do abismo era calma, porém imperiosa, preenchia cada lacuna no espaço ao redor, reverberava no íntimo e se fazia obedecer com total submissão.<br />
<br />
“Não. Agora sou sozinho. Ninguém me percebe”. Se houvesse uma maneira do rosto de Evandro se tornar ainda mais sofrido, teria sido naquele momento, quando a dor o abandonou por mais um instante e ele sentiu que talvez lhe fosse negada a entrada na escuridão e a queda. Seus braços balançaram na direção das pessoas que estavam próximas a ele. “Veja, por favor. Veja. Ninguém me percebe. Fiz minha parte. Eu fiz minha parte!” certamente não houve palavras proferidas, apenas balbucios desconexos, enquanto a baba vertia à profusão de sua boca aberta, qual a feição de um demente.<br />
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“Você não está pronto” disse por fim o abismo, sem compaixão, sem piedade ou satisfação, apenas disse e se foi.<br />
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“Não! Volte! Eu fiz minha parte! Ninguém me percebe! Eu sou um ignorado!” Evandro caiu de joelhos, que ao se chocarem com o solo pedregoso foram feridos e então uma nova e diferente onda de dor trespassou seu corpo. E aquela dor se transformou em desespero quando uma senhora, com não mais de quarenta anos e razoavelmente bem vestida, se aproximou dele.<br />
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“Você está bem, rapaz?”<br />
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De joelhos no chão, a dor da caminhada torturante se desfez. Evandro então, com suas roupas limpas e seus sapatos de couro, levantou-se e com melancolia em sua voz respondeu à senhora “sim, mas um dia encontrarei o abismo novamente” e retornou à sua vida.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-35318911407740699062012-05-11T09:19:00.001-03:002012-05-16T11:08:22.714-03:00As Sombras do Lado Errado - Um conto de Lobisomem, os Destituídos A cidade encontra-se em silêncio quase absoluto, a madrugada está profunda e aos olhos dos seres humanos pouca coisa ocorre de notável. Só que na verdade o mundo está mergulhado em um caos selvagem, onde feras ancestrais caçam entre os muros de concreto e sob lâmpadas de mercúrio que emprestam um tom amarelado aos dentes dispostos a dilacerar suas vítimas. Os humanos não conseguem notar esse caos com seus sentidos simplórios, só que eu não estou limitado a apenas um punhado de informações, eu tenho toda uma ampla gama de sensações para me informar sobre as coisas que existem no mundo, eu sou um lobisomem.<br />
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Um zumbido metálico chega aos meus ouvidos de forma tênue junto com um buquê de odores que vão de amônia, passando por lavanda e carmim e chegando a um toque distante de oxidação. O ruído mecânico não existe de verdade, ele é um eco surdo do que acontece entre duas realidades interligadas. Ele é a ressonância que vibra em harmonia com o pequeno bastão metálico que existe tanto no mundo da carne quanto no mundo dos espíritos. Esse som estranho é o que me indica onde está o coração do portal entre essas duas existências.<br />
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Vou em direção ao ruído com todo o cuidado que posso ter. Eu farejo o ambiente ao meu redor em busca de outros cheiros que possam confirmar as minhas suspeitas. Não demora muito e os encontro. Eu estava certo. Seja lá o que tenha levado tanto o pai quanto o garoto, foi em direção ao lócus e os cheiros que eu havia sentido próximo da quadra de esportes não mentiriam, a coisa pertencia ao outro lado da realidade.<br />
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Eu e minha alcatéia guardamos essa área há muito tempo, mas nunca soubemos da existência desse lugar até então, talvez estejamos cuidando de um pedaço de terra maior do que realmente conseguimos manter. Enquanto me aproximo, aguço ainda mais meu olfato e não percebo outros cheiros que mostrem problemas. Eu observo o espaço com meus olhos físicos e aos poucos procuro entender e entrar em ressonância com o meu lado espiritual, consigo enxergar através do dromo que separa os dois mundos. Não há nada lá. Isso é estranho, pensei que iria encontrar os guardiões desse locus.<br />
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Então me concentro ainda mais, aproveito que meus olhos já estão em concordância com o outro lado do espectro do mundo e busco também entrar por completo na mesma conformidade metafísica. Eu sinto meu corpo de carne tornar-se etéreo, eu suponho que meu lado espiritual torne-se físico para acomodar minha nova realidade e como se mergulhasse em águas geladas e inexistentes, eu surjo por completo no mundo das sombras, o lugar onde minha raça chama de hisil. Ao emergir nessas Sombras os símbolos que demonstram quem eu sou brilham prateados como medalhas agraciadas por minha mãe, Amahan Iduth, a Lua.<br />
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Não perco tempo em admirar minhas marcas espirituais e procuro me esconder o mais rápido possível. Não quero que a presa que caço descubra que estou próximo a ela, não antes do ataque.<br />
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Paro mais uma vez e procuro novamente pelos odores exalados por minha presa. Não demora muito e os encontro, ela não se deu ao trabalho de se esconder, isso está parecendo fácil demais. Então continuo meu caminho através do reflexo do mundo. A selva espiritual deseja me devorar, eu sei disso. Aqui eu sou mais presa do que predador. Entretanto mesmo assim sou guiado por minhas obrigações e continuo indo de encontro ao meu alvo.<br />
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Após vários metros dentro da Sombra escuto, de súbito, um grito grave e sofrido. Poucos instantes depois, um outro grito chega a mim, mas dessa vez é mais agudo, contudo o sofrimento é tão intenso quanto o primeiro. Certamente são o pai e o filho seqüestrados.<br />
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Avanço mais e então paro por detrás de pequenas paredes de tijolos repletas de limo, a cena que eu vejo me é inquietante. Dentro da área formada pelas paredes, algo como se fosse uma casa em construção, um imenso monstro se inclina sobre os dois humanos que procuro. O sangue de ambos ensopa a terra abaixo deles. O espírito é quase branco fantasmagórico, grande, com braços longos e dedos finos, sua pele repuxada aparenta ser resistente. Algumas placas de couro reforçam a idéia de dureza. Há também uma enorme boca, repleta de dentes maciços como pedras, que permanece escancarada, assustadora, mas a coisa não se alimenta dos dois caídos, ele apenas os corta sistematicamente. Pequenos espíritos, fragmentos de sentimentos, se formam com a dor e o sofrimento daqueles dois. Eu não entendo, mas parece que o espírito maior está estudando a ambos.<br />
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Antes de atacá-lo observo atentamente seus movimentos enquanto pacientemente tortura suas vítimas. Aquilo me deixa nervoso, é contra a natureza de meu povo torturar sua caça, está contido no juramento que fizemos à Mãe que nós devemos caçar sim, mas também devemos respeitar nossas presas. Eu até gostaria de estudar mais tempo o que esse monstro está fazendo, para tentar entender as razões alienígenas que o levaram a esse ponto, mas ver a cena me deixa nervoso, eu sinto os meus demônios interiores uivarem com fúria. Eles tentam me compelir a atacar. Contudo eu me controlo e observo, fascinado com o conhecimento. A conclusão que eu chego depois de alguns minutos é que o espírito estuda uma maneira de tornar-se Duguthim, ele pretende aprender como entrar em ressonância com um corpo humano para poder cavalgá-lo e controlá-lo no mundo da carne. Não posso mais permitir que essa blasfêmia prossiga.<br />
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De um lance eu pulo já em transformação, meu corpo cresce, os músculos poderosos de minha raça se tornam ainda mais vigorosos e eu ataco com brutalidade, pegando o monstro de surpresa. De tão atento à sua pesquisa profana ele não se deu ao luxo de vigiar sua área e ignorou os guardiões do mundo. Acerto o que seria o pescoço da besta em um ataque calculado. A fera urra de dor. Minhas mordidas entram cada vez mais em sua carne fictícia, mas eu não consigo abate-la tão rapidamente quanto imaginei. O espírito me golpeia com força, revidando meu ataque com um poder sobre-humano. Sou arremessado contra uma das paredes, certamente quebro alguns de meus ossos, mas não será isso que me fará desistir. Ponho-me de pé prontamente e o ataco novamente, nos engalfinhamos como animais. Em uma luta frenética nos digladiamos com selvageria. Minha mandíbula se fecha com fúria sobre aquela pele grossa. Seus dedos finos rasgam minha carne, expondo vísceras, ossos, músculos, a dor é incômoda, mas minhas obrigações são mais importantes. Como inimigos ancestrais nós lutamos, e como lobisomem eu venço. À pancada final seu corpo efêmero explode em milhares de pedaços de sua carne espectral, aquilo me cega. Eu uivo forte e comemoro minha vitória! Mesmo assim eu sei que perdi muito sangue durante a batalha e as feridas que o espírito esculpiu em meu corpo demorarão a cicatrizar.<br />
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Viro a cabeça para o lado e vejo o pai e o filho. Em seus olhos está estampado o pavor e a loucura de ver o mundo das sombras e de ver um Filho de Luna lutar com toda a sua glória. Não há nada que eu possa fazer por eles. Mordo seus pescoços e termino seus sofrimentos de maneira rápida.<br />
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Eu concentro minhas forças para amenizar a dor que sinto e quando meus sentidos se tornam mais claros, percebo com angústia que antes do espírito branco outros cheiros e outros tipos de sangue estiveram naquele mesmo local em vários momentos anteriores. Suas impressões espirituais ficaram marcadas nos muros e no chão. Ao longe escuto os grunhidos ferozes de espíritos mais fortes que odeiam meu povo. Não posso enfrentá-los sozinho.<br />
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Corro em direção ao locus, preciso voltar com urgência para o mundo físico e conversar com o alfa de minha alcatéia. Preciso informá-lo que o monstro estava estudando como se esconder de nós no mundo físico e que outros antes dele também o fizeram. Deve haver alguns espíritos escondidos no mundo da carne.<br />
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É hora de caçar.vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1611458390178715341.post-46023849550618659002012-05-11T09:16:00.002-03:002012-05-16T11:08:55.472-03:00Entardecer - Um conto da Matrix- Ok pessoal, eu sei que tudo isso que estamos vendo é apenas uma ilusão mas me digam uma coisa; esse pôr do sol é algo simuladamente maravilhoso!<br />
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- Ícarus às vezes acho que você é que não existe. Estamos em operações conjuntas a quatro anos e toda vez que você vê o pôr do sol na Matrix repete a mesma frase!<br />
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- Minha doce e querida Galatea, um homem tem o direito de sonhar. Que lugar seria melhor para isso do que dentro deste sonho coletivo?<br />
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- Tire essas mãos de cima de mim se ainda quiser tocar em algo quando sairmos daqui.<br />
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- Vocês dois aí atrás, nada de namoro agora. Estou dirigindo essa droga de carro a três horas sem parar e ainda faltam mais duas para chegarmos à casa dessa tal de Circe.<br />
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- Não reclame, Ixion. Você mesmo sempre diz que adora dirigir.<br />
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- Dirigir carros, não essa lata velha que Lock nos arranjou! Aliás, falando na figura, liguem para ele e vejam se existe uma rota mais rápida para chegarmos no vale de Circe.<br />
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- Sinto muito Ixion. Lock disse que não tem jeito. Este é o único caminho.<br />
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- Alguém aqui sabe quem é essa Circe?<br />
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- De acordo com Hermes, Circe já foi uma agente da Matrix que agora rouba informação das máquinas para repassar para os humanos.<br />
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- E como poderemos confiar em um programa?<br />
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- Hermes confia. Ele me disse que este programa já nos auxiliou várias vezes no passado.<br />
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- Hermes acredita em tudo o que Morpheus fala. É tão louco quanto ele!<br />
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- Apenas dirija Ixion.<br />
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......<br />
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- Pronto, aqui é o lugar, o vale de Circe. Lá embaixo, próximo daquele rio, está sua mansão. Um jardim muito bonito. Bem programado.<br />
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O carro é estacionado já dentro da imensa propriedade. O caminho entre o estacionamento e a mansão é grande e passa por jardins de flores amarelas e um labirinto de ciprestes. Os quatro operativos caminham apreensivos, hesitantes, como se previssem o desfecho da história. Ao passarem pelo labirinto eles vêem a imensa estátua de um minotauro esculpida em mármore. Todos tem a nítida impressão de que estão sendo observados por aquela criatura. Mas tudo não passa de paranóia coletiva. Após alguns minutos de caminhada, finalmente eles chegam às portas da fenomenal mansão.<br />
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- Por que estes programas vivem sempre em casas tão bonitas?<br />
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Neste momento, um homem aparentando uns trinta anos de idade abre a porta.<br />
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- Ah! Vejo que gostaram da fachada. Nós já estávamos esperando-os a algum tempo. Vocês estão atrasados - Ele caminha na direção dos operativos parando em frente a Ìcarus e apertando sua mão com um cumprimento firme. Galatea olha para aquele homem e fica maravilhada com sua beleza física.<br />
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- Pensei que Circe fosse uma mulher.<br />
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- E ela é linda senhorita. Circe os aguarda dentro da mansão. Desculpem-me pela minha falta de educação; me chamo Hélios e estou aqui para auxiliá-los da melhor forma possível.<br />
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Todos adentram a magnífica residência.<br />
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- Sigam-me. Circe já estava impaciente com a demora.<br />
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Após atravessarem vários corredores e descerem por mais de quatro andares, eles chegam a uma sala de paredes espelhadas. No centro desta sala encontra-se uma mesa com um terminal de vídeo.<br />
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- Vocês estão muito atrasados. Boa parte do que seria dito já foi perdido e não pode mais ser utilizado. Levem estas informações para Hermes e digam a ele que o Escolhido corre perigo. Peçam para que Morpheus seja avisado. Uma grande mudança está prestes a ser feita na Matrix. Minha existência neste ambiente é incerta. Safras de humanos correm sério perigo. Espero que não haja mais atrasos dessa vez. Vão e cumpram com sua missão.<br />
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- Quem falou isso?<br />
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- Circe é um programa que não apresenta um corpo físico. Ás vezes ela se manifesta neste terminal. Outra vezes se manifesta através da própria estrutura desta casa.<br />
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- Levem este disco para Hermes. Não percam mais tempo! Isso é algo que nenhum de vocês pode se dar ao luxo de perder agora.<br />
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......<br />
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- Lock qual a saída mais rápida daqui?...Certo... Entendido. Lock disse que a saída mais rápida não é necessariamente a mais segura.<br />
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- E qual é a novidade nisso?<br />
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- Ixion vamos seguir pela estrada 37 até chegarmos na periferia. Existe uma antiga conexão próxima a um supermercado naquelas redondezas. Vamos torcer para que os agentes não nos encontrem antes de chegarmos lá.<br />
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......<br />
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- Droga, trinta minutos nessa estrada e ainda nada!! Odeio esse carro! Lock maldito, da próxima vez quero um carro de verdade!<br />
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- Ixion cuidado!<br />
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- Meu Deus! Atingiram Danae! Fuja! Fuja!<br />
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- Danae reponda. Responda!<br />
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- Estamos perdidos! Lock? O quê? Ixion vire à direita rápido!<br />
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- Passa por cima. Atropela! Deus... Conseguimos? Danae...<br />
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- Ali, ali é o lugar. Rápido!<br />
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- Droga, essas escadas estão podres. Cuidado onde pisam.<br />
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- Estou ouvindo o telefone lá em cima.<br />
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- Tiros! Agentes novamente! Corram!<br />
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- Vai primeiro Galatea.<br />
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- Agora você Ixion.<br />
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- Meu Deus! Ele não vai conseguir. Rápido Lock faça a conexão!<br />
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- Estou tentando! Eu realmente estou tentando!<br />
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- Os agentes estão próximos...Vão pegá-lo!<br />
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- NÃO!<br />
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- Como? Os agentes estão parados! Como se fossem feitos de pedra!<br />
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- Como isso aconteceu? Que código é esse na tela?<br />
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- Não sei, mas este mesmo código apareceu quando vocês estavam no vale de...<br />
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- Circe!<br />
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- Pronto Ícarus. Vamos levar essas informações para Hermes.<br />
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<Desconectado>vankmanhttp://www.blogger.com/profile/15311395540581618521noreply@blogger.com0