quarta-feira, 8 de abril de 2020

Kimiko (Hasami girl)

Kimiko
Hasami girl

A pele branca e tatuada do corpo atlético e magro da jovem mulher de não mais de 20 anos, era marcada por pequenas cicatrizes de um acidente que levou, além de seus pais, metade de sua visão.

Nesses dias ela estava com metade da cabeça raspada, a pelugem pintada em uma coloração que ia de violeta ao amarelo. A parte comprida do cabelo variava de cores, conforme um padrão pré-programado. Seu sorriso era cativante, bonito até, apesar de ligeiramente forçado para a esquerda, devido ao acidente e à reconstrução facial cibernética. Entretanto aquela imperfeição quase invisível dava uma característica charmosa à mulher. A perfeição das clínicas de estética não era seu padrão, apesar de claramente ter gostos extremamente populares entre as pessoas de sua idade.

Kimiko havia acabado de sair do último show da Arashi 37, sua atual banda favorita de J-pop. O espetáculo foi fantástico, com os movimentos de dança precisos de Non-Quantic Mira, a integrante androide do Arashi, a voz semi sintética e etérea da linda Mikasa S9, que substituiu maravilhosamente bem Mikka T2 e o acompanhamento sensual das Gyaru Tori, as trigêmeas mais famosas de Shin-Edo.

Rei, Sen e Hitomi, as amigas mais próximas de Kimiko, estavam extasiadas, elétricas e com os sentidos alterados. Elas marcaram de sair com uns rapazes da faculdade, que conheceram no show. Kimiko até gostaria de ir, conhecer gente nova, sentir corpos novos, apesar da imagem do rosto de Gin sempre assombrá-la e fazer sua boca salivar.

Contudo naquela noite ela teria de acompanhá-los apenas até ao shopping. Durante o show, a energia acabou não apenas uma, mas duas vezes. Os Kuro já são comuns, mas dois em sequência não são tão esperados. Kimiko sabia que algo estava para acontecer, infelizmente.

Enquanto conversava com as amigas e os rapazes, acendeu um cigarro, fazendo seus olhos brilharem com o fogo. Puxou fundo e sentiu o calor da fumaça em seus pulmões. Os efeitos energéticos das pastilhas de pentadextrina, também conhecidos como PD, já estavam passando. Consumiu outra pastilha. O brilho de seus olhos intensificou, dessa vez com os veios esverdeados fosforescentes característicos da droga. O mundo se tornou mais vivo.

Despediu-se dos amigos e se dirigiu a uma rua escura, perigosa. Ela não sentia medo do lugar, ela apenas esperava. Ela sabia.

Não demorou muito tempo. O ato de deixar de existir em um lugar e reaparecer em outro foi tudo o que sentiu. Ela fez uma careta para tudo aquilo. Odiava ser escrava do maldito Genocrata.

Foi transportada para um parque na periferia de Itabashi-ku, nos limites norte da cidade. Jogou ao chão o casado plástico que usava, à frente estava a maleta, abriu-a rapidamente, apreensiva, tirou a pouca roupa que usava e tratou de colocar o traje de combate sem mais demora. As tesouras foram para suas mãos tão rápidas e naturais que ela sequer pensou em pega-las. Seus reflexos estavam perfeitos e fluídos.

Olhou para o lado, buscava saber onde estariam os outros. Não havia mais ninguém.

Aguardou tensa e farmacologicamente atenta naquele parque escuro, sombrio e frio. Não arriscaria sair de perto de para onde havia sido transportada. Nada.

Voltou mais uma vez sua atenção à maleta. Um dispositivo de informação estava preso em seu interior. Não havia reparado nele antes devido a estar nervosa demais.

Pressionou levemente o botão e a mensagem se iniciou, com uma voz que ela não reconheceu:

“Não pense que não temos monitorado os surtos de energia do traje. Sua vida vale bem menos do que o equipamento. Você não passa de uma pequena engrenagem neste mecanismo complexo, Hasami.”

O suor gelado escorria de seu rosto. Nem mesmo as drogas estimulantes que consumiu mais cedo eram capazes de afastar o medo naquele momento. Ela sabia que sua vida estava no fim. Eles a executariam a qualquer momento. Esperou.

Nada.

Por uma hora permaneceu imóvel.

Seus pensamentos ficaram em suspenso até que a tensão começou a se dissipar.

“Não sou uma engrenagem, maldito, sou uma máquina de matar. Cortarei as cordas que me amarram a você e arrancarei sua cabeça como prêmio.”

Deixou-se cair ajoelhada, as lágrimas de nervosismo, medo, raiva, impotência, escorriam pelo seu olho real.

Respirou fundo, pegou suas roupas no chão. Ingeriu uma nova pastilha de PD, acendeu um cigarro e foi em direção de casa. Não iria tirar o traje. Eles que se virassem com a ideia.

Era hora de falar com Gin. Era hora de contra-atacar.

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