quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O Menino Que Viu O Futuro

O Menino Que Viu O Futuro

O menino caminhava lentamente pela rua que agora mostrava os primeiros sentidos em direção a um ligeiro frio que o inverno tropical traria. Ele tinha a preocupação das crianças, a preocupação de aproveitar o dia. Quando uma lufada de vento veio com mais intensidade, fazendo-o ter um pequeno calafrio, ele parou por apenas um instante e de súbito quebrou a inércia. Pé ante pé ele começou seu movimento como um bailarino, com os braços esticados, tocando o espaço ao seu redor, tentando sentir o mundo muito além de si mesmo. Era sempre uma brincadeira que acabava por se revelar muito mais intensa do que as pessoas que o observavam poderiam imaginar. 

Para ele o som dos seus passos era mais perceptível do que o som dos carros e da vida na grande cidade.

O calor do sol, aplacado pelo vento que soprava, era tão vivo quanto os animais, as plantas e as pessoas.

Ele arrastou os pés no chão, de maneira suave, circular, com a precisão daqueles que sabem exatamente o que desejam. Durante esse arrastar sua mente desenhava figuras de sonhos que teve na noite anterior. Os movimentos em si eram delicados e seguiam uma música urbana que apenas o rapazinho escutava, eram notas de passado, presente e futuro, que se misturavam em uma canção de vida e tempo.

Próximo da calçada pela qual ele praticamente dançava, em rodopios grandes, havia pequenos espaços com terra nua e nela ele se perdia em jogos sem censuras. Deitou-se no solo úmido e sentiu a grama tocar-lhe o corpo. Viu então, dentro de si, o fim do tempo. Lá era um lugar distante e frio. Não era exatamente triste, mas era muito solitário. Sentiu-se tão só que não queria estar mais naquele lugar, e voltou um pouco, para antes do fim. E lá Ele olhou para cima, notou que algo era diferente, ouviu um sutil rachar, um barulho discreto e sentiu um firmamento de vidro se romper em milhões de fragmentos translúcidos e sorriu. 
 
Os pedaços vieram ao solo como estrelas cadentes, queimando ao se aproximarem do menino. Seus braços se estenderam ainda mais e começou uma imensa gargalhada. Não dele, mas do mundo, que se divertia com os sentidos da criança. 

Era uma dádiva que a ele pertencia, ver e tocar as coisas feitas de sonhos, sair de si mesmo e olhar a verdadeira face da criação. 

Voltou mais ainda no tempo, com sua dança onírica, e viu as pessoas apressadas, com seus sons fugidios e peles ásperas pelo toque constante do sol. A moça de cheiros adocicados e respiração compassada se aproximou e o atravessou enquanto ele dançava. O homem de odor pungente e passos pesados carregava folhas de papel em um maço pesado. O homem a moça se encontraram de súbito, pois mesmo olhando para frente, nenhum dos dois realmente notava nada ao redor. Daquele encontro nasceu uma respiração forte e ambos se compuseram, antes que seus pensamentos o traíssem ainda mais. 

Os braços do menino agora formavam desenhos mais complexos no espaço e ele voltou ainda mais e sentiu a escassez, ouviu a abundância, a fartura e a falta, todos eles em ciclos cada vez mais longos de meses, anos, séculos. 

E por último, ao final de sua brincadeira, voltou a si. Parou sua dança feérica. Pôs-se a andar novamente em direção do futuro, mas desta vez apenas um passo por vez, como todos os outros, havia sido divertido. 

Em sua mente as cores dos seus sonhos marcariam sua vida e seus pensamentos, ele era feliz, entretanto seu céu real seria eternamente preto, pois a cegueira de sua carne era tão concreta quanto possível e ele jamais haveria de conhecer a luz. Contudo em sua imaginação ele via um futuro promissor aonde todos os homens seriam reis e seriam livres, e nos períodos mais críticos e difíceis seriam fortes e sobreviveriam, mas para isso precisaram ser como ele, e deveriam cantar e dançar a música do mundo.