domingo, 27 de junho de 2021

Carta para Dulcineia - uma carta de 7 Mar (7th Sea) RPG


 Ao dia 13 de quintus do ano do Criador,


    Minha querida e amada Dulcinéia, senhora de mi vida. Esta é a primeira carta que te escrevo em muitos meses, e não é sem razão que me mantive em silêncio até este momento. Desde os acontecimentos fatídicos ocorridos ao final do outono, que culminaram em tantas mudanças radicais para a minha família e para ti, principalmente, não tenho parado, mas sua imagem está comigo eternamente. A razão de eu não ter escrito antes, nada tem a ver com coragem, pois isso jamais me faltou, tu sabes muito bem, mas tem a ver certamente com o que se seguiu, além é claro de um receio dolorido sobre como seus olhos se comportariam quando pousassem sobre o papel com o selo oculto que nós dois desenhamos quando eu ainda tinha o prazer de tocar sua mão. Agora eu vejo que preciso escrever, que devo fazê-lo, porque a minha vida já não está tão centrada como antes esteve e um acontecimento recente, cortou meu coração de um jeito que não imaginei ser possível.


    Colocar aqui o que aconteceu nesses últimos tempos é muito mais complicado do que imaginei a princípio. Não é nem questão de lembrar da jornada, nomes, faces, situações ou desafios. Descrever para o papel é saber que preciso fazer com que você entenda o que há em meu coração e que não haja dúvidas a ponto de eu poder pedir seu perdão.


    Não me arrependo da intenção que tive quando fiz o que fiz, contudo eu me arrependo da cadeia de situações que isso causou e isso me perseguirá enquanto minha dívida não for saldada com todos aqueles que magoei. Então, logo de início contarei a parte que você não sabe sobre a morte de Antônio, seu irmão.


    Lembro bem quando conheci Antônio, aquele rapaz franzino e de olhos astutos que, assim como eu, entrou pela primeira vez através dos portais do campus primus da Universidade de Rioja. O olhar de seu irmão, e meu maior amigo, estavam estupefatos pelo lugar. Eu sei que sua família vem de linhagem que remete aos membros proeminentes do Império Antigo, além das ligações óbvias de seu pai com  a Santa Igreja dos Profetas, mas ultrapassar aqueles portais ilumina a alma daqueles que buscam sabedoria. Meus olhos não estavam menos irradiados, mesmo porque eu jamais imaginaria que sendo um plebeu, filho de comerciante de ferro, teria oportunidade de ser agraciado com a admissão naquele lugar sagrado. Dividirmos o mesmo quarto e termos como paixão o desconhecido, ao qual rezávamos todas as noites para que o Criador nos permitisse desvendar, nos uniu de uma forma que apenas você sabe. Não conto nada diferente do que já conheça, mas é importante relembrar algumas coisas para dizer o que precisa ser dito. Antônio e eu sempre fomos amigos, jamais duvide. Através dele foi que conheci a mais perfeita e admirável criatura que já colocou os pés sobre Théa, tu, minha amada, mas foi também através dele que tive acesso ao motivo de nossos dissabores e sofrimentos: foi Antônio, que o Criador guarde sua alma, que me apresentou à Escuela de Sueños Velados, uma faculdade invisível, dentro do campus de Rioja.


    Não me abandone agora, eu te imploro, pois o que te digo é verdade. Não deixe de ler o que ponho aqui, pois mesmo que essas palavras não tragam nosso amado Antônio à terra dos vivos, ao menos espero que elas lhe iluminem e confortem.


    Sei que teu pai sabia desde o início que nós nos víamos, quando eu ia à tua casa nos períodos de férias, junto de meu amigo. Ele não queria exatamente que sua filha se envolvesse com um vendedor de ferro, como era meu destino no início, mas por alguma razão ele viu que minha busca pelo conhecimento do Criador e do mundo me levariam a lugares e situações grandiosos e, talvez por isso, ele ignorou nossa paixão, mesmo porque tu sabes, ele já estava negociando tua mão com os Veiga de Aldana.


    Quando nossa relação começou a ficar mais intensa e eu avisei ao seu irmão que iríamos fugir para podermos nos casar, seu pai, Don Ramón, descobriu e exigiu de Antônio sacrifício máximo pela família, mandou que ele me matasse e desaparecesse comigo. Era uma noite fria do final de outono, estávamos eu e você na casa de tua avó, trocando juras de amor, quando a casa foi cercada por homens de tua família. Como você deve se lembrar, consegui fugir pela janela do quarto e acabei lutando com três dos que cercavam a residência. Consegui colocá-los em uma situação onde eu me pus com as costas livres e corri para a casa de meu primo Armando. Fiquei lá por quase três dias e foi de lá que eu soube que Don Ramón havia lhe levado para o convento de Santa Clarissa, nas ilhas próximas de San Agustín, e que meu pai havia sido preso por ter em casa livros proibidos sobre Sinerth e apócrifos do Império Crescente.


    Nunca, em todos os meus estudos, eu levei nada do tipo para a casa de meu pai. Eu sabia exatamente quem era o especialista e acadêmico sinerthiano, Antônio. Dei um jeito de encontrar com ele na Escuela e com lágrimas ele me contou as ameaças de Don Ramón. Eu sei o quanto seria difícil para ele não obedecer à figura grandiosa de seu pai. E Antônio sabia que a única forma de fazer eu me desentocar seria, ou te ameaçando ou ameaçando meu pai. Ele escolheu ameaçar meu pai e plantou os livros em minha casa. Don Ramón resolveu as coisas contigo e a levou embora.


    Antônio partiu para cima, ele iria executar as ordens que foram lhes dada, entretanto ele era um ótimo acadêmico, mas péssimo com o aço. Desarmá-lo foi simples e tentei expor com gritos e paixões meu amor por ti, como futura esposa, e por ele, como amigo. Ele não quis escutar, pegou novamente a espada e veio contra mim uma vez mais. Fiz de tudo para não acertá-lo, tanto que a luta durou alguns minutos, onde mudamos de posição e localização várias vezes. Quando chegamos à sacada do prédio principal ele deu a última estocada, que acertou meu casaco, perfurando-o violentamente, ferindo-me à altura do fígado, foi quando me virei para diminuir o impacto daquela lâmina, era fácil, só que ele perdeu o equilíbrio e eu o vi cair, para meu desespero. Pulei pela varanda, me segurando em algumas videiras e cheguei à rua, tentei com todos os meus conhecimentos revivê-lo. Tudo o que consegui foi ouvir suas uas últimas palavras, onde falou que sentia muito não ter força de vontade suficiente para não obedecer ao pai e que ele gostaria que nós ficássemos juntos, apesar de tudo. Não tenho lágrimas que possam lavar a dor que senti quando seus olhos se fecharam pela última vez. Um padre do lugar viu tudo. Tentei convencê-lo a testemunhar sobre minha inocência. Ele pediu uma quantidade de dinheiro acima de tudo o que eu conhecia, pois todos sabem quem é Don Ramón, e testemunhar contra o filho de teu pai é perigoso.


    Por dias fui perseguido pelos Inquisidores a mando de Don Ramón, até que cheguei a San Teodoro, onde o Criador colocou em minha vida um grupo de três homens que me ajudaram. Cada um deles vem de uma parte diferente do mundo, todos de lugares distantes. Vassili é um ussuriano cujo tamanho tu nunca imaginarias, ele possui um sorriso largo e um olhar assustador, foi ele quem me aceitou como membro do navio no qual zarpamos; Frederich é um ex oficial de Eisen, cuja guerra levou muito de sua juventude, alegria e paixões, mas que mantém uma coragem vista em pouquíssimos homens; e Hagar, um homem de voz magnífica e jeito sisudo, que nós chamaríamos de menestrel, mas nas terras dele, em Vestenmennavenjar, é chamado de Skald. Eles salvaram minha vida e me deram uma chance de provar minha inocência um dia e, se o Criador desejar, tê-la comigo como esposa.


    Partimos de San Teodoro, eu em um navio. Nunca imaginei que estar em uma nau fosse tão exigente. É uma provação, mas que aceito todos os dias com devoção ao nosso amor. A primeira parada de minha jornada foi a capital de Avalon, Carleon, uma cidade linda e de pessoas aristocráticas, onde iniciamos nosso negócio próprio. Descobrimos que havia uma querela entre duas famílias e mesmo tentando dissuadi-las de chegarem a  vias de fato, acabamos envoltos em suas brigas. Exigiram que fôssemos mar adentro até as terras de Eisen, para conseguirmos uma carga bélica. Ah, meu amor, Eisen é uma terra que precisa muito da presença da Igreja dos Vaticínios. A guerra cobrou muito de seu povo e da própria paisagem. O frio exigente daquele lugar congelaria até mesmo o coração do mais ardente vulcão. Não há sorrisos em Eisen. Falta-lhes música. 


    Pegamos a carga e retornamos a Carleon, onde entregamos, mesmo a contragosto. Fomos amarrados nessa contenda e tivemos uma audiência com a grandiosa rainha Elaine, que nos pediu para irmos a Innismore, levar uma família que lhe era muito importante. Não evitamos fazer esse favor à realeza de Avalon. Em Innismore as coisas foram estranhas. O país é bonito, verde, e frio, não tão frio quanto Eisen, e por sorte nos envolvemos em uma intriga palaciana e desvendamos uma tentativa de assassinado contra o Alto Rei O'Bannon, o imortal, onde ganhamos um navio, que batizamos com o nome de Dulcinéia.


    Era uma nova esperança para mim. Agora eu tinha ¼ de um navio, o mar como companhia e amigos fiéis em quem confiar. Até que…


    Ao sairmos de Innismore pegamos uma passageira, uma moça jovem e de olhar feroz e indomado, que levaríamos para Montaigne, onde ela seria educada para ser uma dama digna da corte. Durante a viagem ela mal falava e ficava com seu semblante frio e triste. Antes de continuar sou obrigado a dizer que no meio do oceano recebemos a visita de um Inquisidor, Don Diego de la Vega. O nome não me era conhecido, contudo imagino que Don Ramón o conheça bem. Ele buscava por um jovem bonito, esbelto e inteligente cuja descrição física e o nome batiam exatamente comigo. O Criador mais uma vez me abençoou e impediu que minha aventura chegasse ao fim naquele momento. 


    Continuamos em direção a Montaigne quando, numa noite escura e soturna, uma névoa sobrenatural cobriu tudo, impedindo que víssemos qualquer coisa além de um metro. Rezei forte para que aquela coisa se dissipasse, pois não era natural. E então fomos abordados por uma pirata. Ela e seus camaradas lutaram fortemente. Inicialmente imaginamos que ela desejava apenas nos roubar, mas ledo engano, ela queria resgatar a jovem Jean O'Blend, a moça que levávamos como passageira. Elas eram amantes. Infelizmente estávamos no caminho e nossa experiência permitiu que vencêssemos. Entre idas e vindas, a jovem pirata acabou se entregando à paixão de uma forma displicente e ameaçou nosso cozinheiro com uma pistola. Frederich é um exímio atirador e a acertou direto no coração. Não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-la. Aquilo me lembrou muito da situação em que me encontrei quando vi Antônio caído. Para meu desespero vi a jovem Jean gritar de amor, agonia e sofrimento enquanto tirava a própria vida. Não havia nada para elas de uma sem a outra.


    Aquilo me machucou muito. Elas morreram porque não quisemos ou não soubemos conversar, negociar, dizer que apenas queríamos continuar ou ajudar ao amor delas continuar. Agora elas estão mortas. Apesar de não aprovar o ocorrido, não abandonarei meus companheiros. Eles estiveram comigo em momentos difíceis, me apoiaram e, ao seus modos, me amam, todavia tenho certeza de que nossas vidas não serão mais iluminadas como pensei no início. Creio que nossas aventuras serão lúgubres como os sorrisos das crianças eisenianas.


    Aqui me despeço, por enquanto, meu amor, e espero que em breve eu consiga provar minha inocência e que possamos ficar juntos, até o fim de nossos dias. 


Sempre seu, e incompleto enquanto estiver distante, Miguel Rafael Corazon Lopez

___________________________________________

Jogo: 7º Mar